“A luta pela igualdade não é apenas do povo negro, é uma luta de todos”
Vinicios Pacheco
Quais foram as situações em que você percebeu estar sofrendo preconceito?
Em alguns eventos, públicos e privados, já me perguntaram se eu era manobrista de carro, se entrei para a IBM por algum programa de cota e já ficaram surpresos por me ouvirem falar em outros idiomas. São situações que acontecem com uma certa frequência.
O preconceito e o racismo podem ser silenciosos ou escandalosos. A grande maioria da população negra já experimentou os dois. Por exemplo, quando aquele ou aquela profissional negra dão uma aula com conteúdo e técnica oratória sobre determinado assunto, mas várias pessoas só atribuem valor quando um profissional branco fala. Isso é algo muito comum entre profissionais negros, talvez as pessoas achem que nós deveríamos ser coadjuvantes, quando, na verdade, temos a mesma capacidade que qualquer outro profissional.
Qual foi sua reação?
Minha mãe me ensinou a não ser reativo fisicamente, mas sim intelectualmente. Em algumas situações, tive que ouvir algumas frases e ficar calado. Hoje, não preciso. Até porque faço parte de uma empresa que apoia totalmente seus funcionários. A IBM me proporciona total segurança de que os negócios são importantes, mas as pessoas são muito mais. Tenho total liberdade de me levantar da mesa e sair, caso sinta qualquer tipo de agressão preconceituosa ou racista.
De que forma ele foi prejudicial?
O preconceito pode acabar com as esperanças de alguém e quase acabou com as minhas. Antes de ter consciência sobre o assunto, eu vivia me perguntando: será que fiz errado? Será que não sou bom o suficiente? Será que esse é o meu lugar?! O preconceito e o racismo podem fazer com que vários profissionais incríveis não alcancem seu potencial. Felizmente, eu tive e tenho pessoas ao meu lado que me ajudam a continuar alcançando meu máximo e não deixar que coisas tão repugnantes como o preconceito me atrapalhem. Muitas dessas pessoas não são negras, isso mostra que a luta não está mais apenas com a comunidade negra. Porém, temos muito o que percorrer.
Interferiu no seu crescimento profissional?
Sempre interfere de alguma forma. Algumas pessoas usam isso como combustível, outras não conseguem. A verdade é que isso não deveria acontecer no ambiente de trabalho e, se acontece, as punições para o agressor devem ser severas no ambiente de trabalho e tratadas também no âmbito legal.
Conte um pouco de sua vida profissional, onde estudou e as dificuldades que enfrentou para chegar aonde está.
Sou do Rio de Janeiro e joguei basquete profissional até os 21, logo depois fui trabalhar em empresas financeiras e bancos. Sou estudante de Relações Internacionais na Universidade do Distrito Federal (UDF). Um jovem de 30 anos que decidiu fazer transição de carreira e está em ascensão em Relações Governamentais.
Geralmente nós sonhamos em ser alguma coisa ou ser como alguém. Eu tive algumas dificuldades para ver pessoas com o perfil parecido com o meu e pensei que a profissão não era para mim ou que talvez fosse apenas para uma parte da população. Para a minha felicidade, conheci Creomar de Souza, alguém que não cabe em palavras e que se tornou minha referência na profissão, não apenas por ele ser um excelente profissional, mas também por fomentar oportunidades e acesso à educação para a comunidade negra, comunidade à qual ele pertence.
Em sua vida pessoal, fora da empresa, você também já se deparou com situações de preconceito?
Se você é negro, você com certeza já sofreu preconceito. Infelizmente o que mais me marcou recentemente foi o fato de ter sido abordado e revistado por policiais, mesmo vestindo terno e gravata, indo para um evento em uma embaixada. Quando eu perguntei o motivo, eles simplesmente falaram que estranharam uma pessoa andando pela área, sendo que era a entrada da embaixada e outras pessoas estavam andando por ali.
Considera piores do que no ambiente profissional?
O preconceito tem várias formas de se manifestar. No ambiente profissional ele geralmente é velado, fora do ambiente profissional ele é mais agressivo em determinadas palavras e mais violento em determinas ações.
Como reagiu?
De onde eu vim, qualquer reação poderia resultar em violência de qualquer nível. Eu sempre reajo com calma e respaldo da lei, é a melhor opção. Geralmente, eu também me retiro do ambiente quando percebo que isso acontece.
Como é a situação hoje?
O preconceito e o racismo estão atrás de todas as minorias. Do momento em que acordamos ao momento em que dormimos, isso é um fato. Agora, temos escolhas e as que encorajo as pessoas a fazer são: que sejamos as estrelas da nossa vida, que continuemos a luta contra tais atrocidades que matam sonhos e até mesmo pessoas. Para as empresas, eu digo que diversidade é inovação e inovação se transforma em negócios. As empresas que não acompanharem essa evolução não terão chances no futuro. O protagonismo negro está acontecendo, isso é um fato, uma vitória de uma luta muito longa que ainda está longe de acabar, mas que está acontecendo sim!
Ainda enfrenta preconceito?
Infelizmente sim. O preconceito é algo comum na vida de uma pessoa negra. Mesmo sendo comum, não podemos normalizar tais atos. Devemos, sim, usar a força da lei a nosso favor e sermos um expoente na luta contra o preconceito.
Você considera que a legislação atual é suficiente para coibir o preconceito?
Pessoas negras ainda deixam de ter muitas oportunidades simplesmente pelo fato de serem negras. Pessoas negras sofrem psicológica e fisicamente. Acredito que a legislação ainda não intimida tais agressores. Mas confesso que vejo progresso nas leis contra injúrias raciais.
O que pode ser melhorado?
As leis devem ser mais rígidas e inflexíveis em ambientes profissionais (empresas devem se posicionar), mais rígidas contra agentes de segurança que têm essa atitude de demonstrar poder contra uma parte da população que é marginalizada.
Quais os mecanismos utilizados para promover a inclusão?
Ações afirmativas, com toda a certeza. A premissa básica das ações afirmativas é promover igualdade de acesso a oportunidades. As ações afirmativas propõem o tratamento desigual aos desiguais para a construção de uma distribuição equitativa de oportunidades. Na área de relgov, temos muito a percorrer, mas fico feliz de saber que o trabalho já começou. O coletivo “Pretos e Pretas em RelGov” tem um trabalho incrível de eventos, mentoria e divulgação de vagas exclusivas para pessoas negras. Eu sou fruto desse trabalho.
Você acha que as cotas são uma forma adequada para reparar as injustiças sociais?
Nada irá reparar as injustiças sociais, nada! As cotas são necessárias, porém estão longe de reparar injustiça. A lei de cotas só foi aprovada em 2012. Em pouco mais de 10 anos não é possível reparar as injustiças sociais de um país tão desigual como o Brasil. Falando em números, a população brasileira é constituída por 55,8% de negros. Se olharmos para as universidades, foi apenas no ano de 2021 que a população negra atingiu maioria em universidades. Isso é uma grande vitória para nós. Quando digo que ainda temos um caminho a percorrer, devemos olhar para o mercado de trabalho. Quantas pessoas negras estão no mercado?! Qual a quantidade de pessoas negras em liderança nas empresas?!
A luta pela igualdade não é apenas do povo negro, é uma luta de todos.