“Não é mais permitido ignorar ou recuar. Urge enfrentar, educar e mudar ao redor, todos os dias”
Fabi Gadelha
Quais foram as situações em que você percebeu estar sofrendo preconceito?
Ser mulher, por si só, é um convite para enfrentar situações que envolvem discriminação e preconceito. A distinção social nem sempre é violenta, afrontosa ou direta, mas se caracteriza pela sutileza, pelo sarcasmo e cinismo de uma sociedade que coloca a mulher em um lugar secundário, subjugado e embrulhado em um belo papel de presente. Afinal, a beleza e o feminino andam de mãos dadas sob os olhos do machismo estrutural.
Ganhamos menos que os homens para desenvolver o mesmo trabalho, mas somos cobradas a sermos perfeitas, obedientes, caladas e belas. Já ouvi de colegas que eu poderia emagrecer, que nem parece que me relaciono sexual e afetivamente com mulheres, que era um desperdício para os homens ter mudado de lado. Também, já fui discriminada por ser mãe, ou jovem, ou madura demais para esta ou aquela situação. Sinto que sempre ficamos devendo algo na carreira em relação aos homens.
Qual foi sua reação?
Apesar das diferentes situações, todas causaram sintomas físicos e emocionais: taquicardia, sudorese, depressão, ansiedade, insônia, dor nos ombros, vergonha, constrangimento, tristeza e revolta. Não se supera as dores do preconceito. Aprendemos a reagir com frieza, clareza, educação e paciência.
Em primeiro plano, o preconceito deve ser enfrentado com diálogo com o discriminador, de forma a esclarecer que a situação é preconceituosa, e, se persistir, buscar a ouvidoria, canais de denúncia e a força da lei.
Num e noutro caso é necessário ser muito paciente porque as mudanças que carecemos são estruturais, culturais e judiciais. Sempre preferi o diálogo e o esclarecimento.
De que forma ele foi prejudicial? Interferiu no seu crescimento profissional?
Certa vez fui desclassificada de um processo seletivo porque estava grávida, depois soube que não fui promovida porque ser mãe de uma criança com deficiência poderia prejudicar meu desempenho profissional e que meu cargo deveria ser ocupado por um homem, como de fato foi.
Em sua vida pessoal, fora da empresa, você também já se deparou com situações de preconceito? Considera piores do que no ambiente profissional? Como reagiu?
O preconceito em qualquer esfera da vida fere o corpo e a alma. Dentro ou fora do ambiente de trabalho, nasce do mesmo padrão cultural do machismo enraizado em homens e mulheres. Sempre percebi que os homens se sentem afrontados pela minha força, objetividade e eficiência. Senti olhares tortos, ouvi piadinhas e conversas enviesadas, risinhos de canto de boca por ter um corpão plus size, cabelo curto, tatuagem, ser mãe e assumidamente LGBTQIAP+.
Em todas as circunstâncias, reajo da mesma forma: altiva, calmamente esclarecendo que esse ou aquele comportamento é discriminatório e intolerável. Não é mais permitido ignorar ou recuar. Urge enfrentar, educar e mudar ao redor, todos os dias.
Como é a situação hoje? Ainda enfrenta preconceito?
Aos 45 anos, preferi elucidar e confrontar os discriminadores do que me sentir constrangida. Os opressores costumeiros que, inclusive, compartilham intimidade familiar e social já refletem previamente, antes de proferir algum despautério na minha frente.
Aos novos discriminadores, inicio o ciclo de educação, ensinando a respeitar as diferenças e os limites da lei.
Acredita em progressos, no futuro, na forma com que as empresas lidam com esse tema?
Creio firmemente que a educação, o diálogo coletivo, a construção de uma cultura verdadeiramente inclusiva, diversa, aliados ao esclarecimento individual, possuem condições de mudar o mundo.
O comprometimento do poder público, da sociedade civil e das empresas podem promover a tão esperada paz social, a melhor qualidade de vida dos colaboradores e reverberar nos próprios negócios das empresas.
Considera que ações afirmativas são úteis para combater o preconceito?
As ações afirmativas são fundamentais para a mudança que precisamos. Quando as empresas se comprometem com suas equipes, coibindo situações que possam gerar qualquer ato discriminatório, promovendo educação em direitos humanos e um clima amistoso para apuração de denúncias, estão contribuindo para mudanças sociais concretas.