O grande público tem uma visão: o lobby só é acessível a grandes empresas e corporações internacionais, que possuem recursos financeiros e especialistas capacitados para defender seus interesses – na maior parte das vezes financeiros – no Congresso e junto ao Governo. Pequenas associações e minorias não teriam condições de arcar com essa atividade, tornando-a privilégio de poucos grupos. Talvez no passado assim fosse, mas hoje a realidade é outra: há diversos mecanismos que permitiram a oportunidade de minorias se fazerem ouvir, em especial na era digital, com ferramentas que potencializam essas vozes, proporcionando-lhes cidadania.
Para Beatriz Falcão, cientista política, gerente de comunidade e especialista em policy da Inteligov, o fato de estarmos inseridos em uma democracia possibilita que qualquer grupo organizado faça lobby. Mas há uma ressalva: o acesso ao poder público não está disponível de maneira igualitária para todos os setores da sociedade. “Pequenas associações vivem de contribuições dos associados e, a depender de sua estrutura interna, podem não suportar os custos de um trabalho altamente especializado, como o de Relações Institucionais Governamentais (RIG). No entanto, podem e devem criar relacionamento com autoridades e participarem ativamente do processo de tomada de decisões. A efetividade do trabalho das associações pode gerar ainda melhores resultados quando feito de maneira local, em casas subnacionais, por exemplo”.
A superintendente da Fundação Tide Setubal, Mariana Almeida, pondera: pequenas associações sempre têm condições de defender seus interesses, a questão é a efetividade dessa defesa. “Elas têm dificuldade de fazer uma boa leitura de quais são os processos dentro da estrutura pública que favorecem ou dificultam que sua pauta seja levada à frente. É importante pedir algo que está previsto, por exemplo, dentro do plano plurianual do governo. O melhor é agirem de maneira conjunta com outras organizações do terceiro setor”. Para a fundadora e presidente do Instituto Lado a Lado pela Vida, Marlene Oliveira, no caso de organizações da sociedade civil o que mais se adequa são as ações de advocacy, baseado no diálogo e na educação. “Organizações como a nossa têm alcançado resultados muito positivos”, ressalta.
Tatiana Porto, diretora de Relações Governamentais da Sanofi, acredita que as mídias digitais proporcionam que a defesa de interesses e o engajamento esteja ao alcance de todos. “Não estou dizendo que é simples, mas está cada vez mais factível. No passado, qualquer movimento exigiria grande planejamento de mídia e logística, tornando praticamente impossível sua implementação por uma pequena associação sem um investimento mais robusto. Hoje, isso é diferente”.
Mas todos os setores conseguem fazer
lobby? Beatriz Falcão tem dúvidas: o fato de todos poderem fazer lobby, não significa que todos consigam fazer lobby. “Lembremos que o lobby não é uma atividade, mas o conjunto de várias. Fazer monitoramento de temas de interesse, proposições, mapeamento de stakeholders, além de planejamento estratégico e articulação com autoridades demanda tempo e recursos e, infelizmente, não são todos os grupos da sociedade que dispõem dos dois. Vamos tomar por exemplo uma ONG que trabalhe com pessoas em situação de vulnerabilidade: dada a limitação de recursos e de pessoal, é preciso priorizar qual trabalho será feito. Ou a ONG se dedica a ajudar as pessoas, ou dedica seu tempo a estar em órgãos públicos pleiteando melhorias para a população”, lamenta.
Segundo Tacyra Oliveira Valois Nery, diretora da Sinapse Brasil Consultoria de RIG em Saúde, todos os segmentos podem e devem fazer a defesa de seus interesses e, desta forma, oferecer sua contribuição para a construção democrática das decisões. “Mas conseguir êxitos depende de articulação política, estratégia adotada, da construção da narrativa, de um correto mapeamento de influenciadores e decisores, da formação dos defensores. Se este processo for conduzido por um profissional terá maiores chances de sucesso”.
A diretora de Relações Governamentais da Sanofi é mais otimista: para ela, todos os segmentos conseguem, sejam eles representados por uma pessoa, por uma empresa, por uma associação ou por uma comunidade. “Do combate à fome ao recapeamento do asfalto no seu bairro. Da defesa do meio ambiente ao cuidado das praças e jardins da sua vizinhança. Não há nada tão grande ou tão pequeno que não possa ser objeto de defesa de interesse pela sociedade”, afirma, taxativa.
No entanto, muitas vezes os pequenos se deparam com movimentos que se opõem aos seus interesses e que são muito poderosos. Nesses momentos, formular estratégias de forma meticulosa e investir em comunicação, selecionando com cuidado os canais a serem utilizados, podem ser boas alternativas.
“A melhor estratégia contra grandes grupos é sensibilizar a comunidade da importância de seu pleito. O advocacy, nesse caso, costuma ser uma estratégia melhor, especialmente pensando em grupos com poucos recursos”, revela Beatriz Falcão. “Para isso, é preciso traçar as metas da campanha e identificar interlocutores influentes na comunidade. A comunicação é fundamental e deve ser pensada com cuidado. A mensagem passada deve ser clara, concisa e apelativa, para que a comunidade se identifique com a causa e traga a responsabilidade para si. O uso de mídias sociais, apoio de pessoas influentes e sensibilização de líderes de comunitários costumam surtir efeitos positivos”. Porto, diretora da Sanofi, também aposta na força do mundo digital. “Sem dúvida, o caminho mais efetivo são as mídias sociais. O poder de mobilização é enorme. Um embaixador com voz ativa e poder de engajamento é um caminho”.
A presidente do Instituto Lado a Lado pela Vida é outra que vê as mídias sociais como uma ferramenta democratizante. Segundo ela, com o crescimento dos canais de comunicação, principalmente as mídias sociais, cada vez mais o conceito de pequenos e poderosos tem sido revisto. “Entretanto, a maior força está na transparência com que tratamos os assuntos. Acreditamos que para impactar positivamente uma causa é necessário atuar com foco e empenho. Além da ética e de ter muito claro quais são os propósitos que a organização preconiza, é fundamental que os limites de atuação sejam muito bem definidos”.
A questão dos impactos da atuação é fundamental. Para tal, é preciso que os protagonistas da causa efetivamente se apropriem desta, legitimando-a. Um bom exemplo é o do trabalho da Fundação Tide Setubal, que atua em São Miguel Paulista, distrito da Zona Leste de São Paulo, há mais de 15 anos.
A superintendente da instituição, Mariana Almeida, acentua a importância do envolvimento da comunidade. “Se ela está envolvida desde o começo aí sim os impactos positivos são reconhecidos como uma vitória. Ao longo desses anos, aprendemos a trabalhar ali, sempre trazendo a comunidade para dentro do processo. Hoje trabalhamos para capacitá-la para atuar em prol de melhorias junto ao poder público, em um processo muito mais participativo, do qual ela se tornou a protagonista”, comemora.
De acordo com Marlene Oliveira, os resultados são medidos pelas conquistas e pelo engajamento da sociedade com uma determinada causa. “A população está cada vez mais atenta aos que trabalham seriamente. Para que os resultados sejam percebidos é preciso divulgar amplamente as conquistas e trazer cada vez mais apoiadores que disseminem as informações do trabalho realizado”.
Tacyra Nery concorda que o engajamento das pessoas é essencial e que vem aumentando. “Fora das grandes cidades ainda existe uma dificuldade de as pessoas acreditarem que a participação popular e a sociedade organizada são realmente capazes de realizar mudanças. Contudo podemos observar que as pessoas estão se organizando, participando de reuniões, questionando. A informação está chegando e as pessoas estão mais interessadas e participativas”.
Ela acredita que o resultado da defesa de interesse muitas vezes não é percebido por quem não participa ativamente do processo, mas isso pode mudar utilizando ferramentas de comunicação de forma eficaz. “Os diferentes meios de comunicação e as redes sociais vêm auxiliando nessa percepção da comunidade de que agora realmente podem ser ouvidas”.
A conselheira do IRELGOV, Silvia Fagnani, traz o exemplo do Instituto Lagarta Vira Pupa, para o qual foi feito um trabalho de advocacy do Rol Exemplificativo da ANS. O Instituto foi criado por um grupo de mães de crianças atípicas para dar voz às suas causas e abraçou esta causa em específico porque o Supremo Tribunal julgou procedente o pedido dos planos de saúde de atender somente as enfermidades constantes no ROL da ANS. (Rol Taxativo). A luta destas mães foi para garantir que terapias não previstas pudessem ser ao menos avaliadas pelo convênio, caso a caso, já que muitas terapias não incluídas no ROL são essenciais para o acompanhamento de pacientes autistas, com esclerose múltipla, câncer e outras doenças.
E foi por meio da atuação ativa destas mães que o pleito chegou ao Congresso Nacional, onde no final de agosto foi aprovado um PL no Senado, depois de passar pela Câmara dos Deputados, numa tramitação acelerada pela atuação dos grupos organizados por elas. Uma clara demonstração de que a força das minorias é capaz de resultados compensadores – desde que tenham foco, planejamento e profissionais capazes.