Se por um lado as dimensões continentais do Brasil resultam em rica diversidade cultural, por outro provocam desafios em todas as esferas da gestão pública – e com o lobby não é diferente. Afinal, é no município que as pessoas vivem, como diz o chavão. Mas como fazer lobby do Oiapoque ao Chuí?
“A atuação de relações governamentais é um desafio em todo o país, em estados e municípios”, diz Juliana Celuppi, CEO do
Radar Governamental e sócia-diretora da Celuppi Advogados. A atuação de relações governamentais é um desafio em todo o país, em especial nos estados e municípios. A multiplicidade cultural do Brasil tem impacto em como se constrói e executam as estratégias”.
Segundo Celuppi, os planejamentos devem ser diferentes, a forma como você busca comunicar uma demanda deve ser adequada a cada região. “É necessário de antemão ter um conhecimento específico sobre as inúmeras políticas locais. Entender a distribuição das forças e o histórico político da localidade, que pode ser bastante diferente do contexto federal, são estratégias essenciais”.
O presidente da Siamig (Associação das Indústrias Sucroenergéticas de Minas Gerais), Mário Campos, considera o lobby no âmbito nacional mais consolidado e que as dificuldades são muito maiores quando se trata do interior do Brasil. “Primeiro que a estrutura é menor, o que dificulta que a gente consiga conversar sobre assuntos importantes. Em Brasília, por exemplo, os parlamentares estão ali full time para fazer política, à disposição para dialogar. Quando a gente vai para a esfera municipal, muitas vezes o parlamentar tem uma profissão, no qual ele continua trabalhando normalmente. A atividade parlamentar é um adicional”. Ele lembra que atuar em regiões tão vastas necessita de um monitoramento muito eficaz. “Nos estados e municípios é mais difícil porque você não tem sistemas tão avançados como os existentes hoje na capital. Você tem câmaras e câmaras, assembleias e assembleias”.
Para Paulo Homem, head de Relações Institucionais, Comunicação & Sustentabilidade da Commit Gás S.A. e conselheiro do
IRELGOV, a dinâmica dos estados é bem parecida com a atuação federal. Os principais players são os governos estaduais e Prefeituras, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, além das agências reguladoras estaduais, cada vez mais relevantes em setores regulados, como gás, saneamento e energia. “Hoje um dos temas mais críticos para diversos segmentos é a agenda ambiental. Nesse sentido, os órgãos públicos de meio ambiente são stakeholders importantes”.
E quais ferramentas usar para conseguir aprovar um pleito? Celuppi crê que é importante ter conhecimento dos riscos e oportunidades, sendo essencial também o apoio local e o uso da tecnologia como aliada para que o acompanhamento possa acontecer de forma sistematizada. “Partimos então para a formulação de uma boa estratégia de interlocução junto ao Poder Público, conhecendo todos os nomes envolvidos no processo, traçando um perfil dos principais tomadores de decisão, conhecendo a fundo o seu pleito e o processo pelo qual ele deve passar até tornar-se uma alteração regulatória”.
“Todas as ferramentas devem ser consideradas – de um estudo sobre o tema até um post nas redes sociais”, explica Paulo Homem. “Mas a melhor estratégia sempre é o maior conhecimento possível sobre os
stakeholders envolvidos na questão, no processo decisório e um monitoramento permanente de eventuais adversários no pleito.
Cada questão tem o seu próprio trâmite, timing e processo decisório. E uma ação executada para um tipo de assunto, pode não ser eficiente num caso posterior da mesma natureza”.
Desconhecer a força do executivo nos âmbitos municipal e estadual pode custar caro. De acordo com Mário Campos, raros são os casos em que há divergência entre o comando dessas casas legislativas com o poder executivo local. “Um grave erro é não entender como funcionam essas engrenagens. Muito vai depender de como pensa o executivo municipal, por isso é tão importante um mapeamento minucioso dos stakeholders”.
Outro ponto importante, segundo ele, é a comunicação. É preciso mapear quais os veículos mais eficazes nos locais de atuação, pois se a demanda é diretamente ligada à comunidade, o assunto reverberará com muito mais força.
“As rádios, por exemplo, exibem uma força muito grande, são geralmente elas que promovem a discussão dos assuntos daquela localidade. Jornais impressos ainda têm muita força, mesmo quando são somente semanais, pois contam com profissionais formadores de opinião”, esclarece.
A realidade é que há diferenças significativas entre o lobby executado em Brasília e o que é feito em, por exemplo, Belmiro Braga, Minas Gerais. Juliana Celuppi acredita que sempre é necessário considerar que estratégias empregadas em âmbito federal, em muitos casos, não funcionarão da mesma forma em pequenas localidades.
“Alianças políticas observadas no Congresso Nacional não necessariamente se repetem nas Assembleias e Câmaras. Além disso, a rápida tramitação das matérias, considerando um ambiente de tomada de decisão específico do âmbito federal, contribui de forma contundente para esta diferença de atuação. “Os ritos de aprovação entre as esferas são semelhantes”, reforça o presidente da Siamig. “Seja qual for o assunto e lugar, alguém terá que aprovar, haverá uma votação etc. O que acontece é que cada casa tem seu regimento, sem tempo. E é preciso aprender a esperar”.
A distribuição de poderes é necessária para um equilíbrio de forças na dinâmica democrática, encaminhando a possibilidade de que a atuação aconteça em momentos distintos e que haja uma multiplicidade de tomadores de decisão envolvidos no processo. Segundo a CEO do Radar Governamental, embora o modelo possa acarretar uma possível morosidade, é necessário para que sejam adotadas as melhores propostas do ponto de vista de políticas públicas e possibilita aos lobistas a participação em diversas fases do processo. “De todo modo, os estados e municípios são entes que devem ser conhecidos pela celeridade de sua tramitação legislativa ou mesmo no âmbito de alterações no campo regulatório/executivo”, afirma.
Mário Campos ressalta que o sistema político brasileiro apresenta uma distorção, pois concentra recursos no âmbito federal, quando a aplicação destes ocorre de fato na esfera municipal. “Mas a situação vem mudando. Nos últimos anos temos observado um aumento de recursos direcionados aos municípios, graças a uma verticalização do processo. Deputados e senadores eleitos efetivamente buscam repassar recursos para suas bases eleitorais, fazendo com que apareçam recursos para obras de saneamento, educação e saúde”.
Paulo Homem não vê barreiras significativas à atuação do profissional de relações governamentais por conta do nosso sistema político. “Você pode ter dificuldades pontuais em determinados temas, pois ainda existem stakeholders avessos ao setor privado, apesar dessa interlocução entre o público e o privado ser essencial ao pleno exercício da democracia, mas em geral não vejo dificuldades”.