A conhecida e tantas vezes repetida frase atribuída ao estadista britânico Winston Churchill – “A democracia é a pior forma de governo, à exceção de todas as demais formas que têm sido experimentadas ao longo da história” – talvez seja a melhor maneira de definir, em poucas palavras, o sistema político criado pelos gregos do período clássico e aprimorado desde então. Como tudo, possui defeitos, mas é o único que garante a todos, sem exceção, o direito de livre expressão.
Para a presidente do Instituto Palavra Aberta, Patrícia Blanco, não há dúvidas: a democracia é, de fato, o único sistema político organizado de um estado que permite que vozes diversas se sentem à mesa, divirjam, mas depois cheguem a um consenso.
“O benefício desse modelo é permitir a discordância de forma democrática. Não preciso concordar com você para caminharmos juntos e nos respeitarmos. Não vejo como alcançar consenso sem um ambiente democrático”, afirma. “A não ser por uma imposição artificial. Os sistemas não-democráticos impõem o pensamento único e quem discordar sofre as consequências”. Elizabeth de Carvalhaes, presidente executiva da Interfarma, acredita que a democracia é o sistema político onde o desejo da maioria da população é ouvido. “Os cidadãos votam em seus representantes, que discutem e buscam o consenso para criar leis, normas e políticas públicas que melhorem a vida de todos. Ela permite a existência de várias formas de participação popular que influenciam a tomada de decisão pelos representantes eleitos”.
Uma das grandes vantagens da busca por opiniões diversas e pela formação de consensos é a construção de políticas públicas adequadas e inclusivas, maximizando suas chances de acerto. “É uma forma de governo que pressupõe o debate, possui sistemas de pesos e contrapesos (checks and
balances) para balizar a legalidade e visa a coletividade, o oposto de regimes totalitários que governam sem a visão constitucional do todo”, explica o diretor de Public Affairs da Edelman Global Advisory e diretor de Comunicação do IRELGOV,
Thomaz D’Addio. “Charles Tilly escreveu um artigo chamado ‘Democracy is Lake’, ou seja, a ‘Democracia é um lago’, e, portanto, sua formação depende da água, do fundo do lago, profundidade, afluentes etc. Assim como Churchill, concordo que é a melhor que temos até o momento, mas é importante analisar, entender e compreender as nuances de seu funcionamento em cada país”.
Há quem considere a democracia um modelo fraco, no qual as decisões demoram a ser tomadas e executadas, em contraposição a sistemas com tendências autoritárias. Carvalhaes ressalta que o debate é imprescindível. Para ela, até podem ser criados meios para dar agilidade para a tomada de decisão em temas urgentes, mas é sempre preciso ouvir todos os lados envolvidos em uma questão e dar chance para que opinem.
“Não é raro ouvirmos frases como “isso está democrático demais” ou “muita democracia para o meu gosto” quando se referem a processos com muitas instâncias de participação. A meu ver, processos consensuais e, sobretudo, plurais, que escutem diversos pontos de vista, tendem a gerar decisões mais legítimas, aceitas e aplicáveis no longo prazo”, corrobora D’Addio.
Patrícia Blanco considera que há falta de real entendimento do que é democracia, por isso é essencial defender e promover a liberdade de expressão, um dos pilares do modelo. Ela ressalta que é importante educar a sociedade para a democracia.
“A Constituição de 1988 tentou tirar todos os resquícios da ditadura militar. Um deles foram as aulas de OSPB (Organização Social e Política Brasileira). No entanto, não colocamos nada no lugar e as pessoas cresceram com desconhecimento sobre os problemas do país. Isso tem que ser revisto, pois trata-se de formar cidadãos”.
Nas democracias, o lobby é considerado uma ferramenta legítima. “Mais do que isso, é legal e necessária, já que permite que os mais diferentes grupos ofereçam informações com o intuito de defender seus interesses junto ao Executivo e Legislativo”, diz. De acordo com Thomaz D’Addio, o lobby nada mais é do que a representação de pontos de vista de grupos, podendo ser grupos econômicos, identitários ou de causas. “Ilegítimo é o uso de métodos ilegais para fazer prevalecer seus interesses, isso não é lobby, é crime”, reforça.
“Não há espaço para transformação ampla sem democracia”, garante Blanco. “E o lobby, usado com ética e transparência, é uma ferramenta para as mudanças, de forma democrática. O lobby tem uma nova área que vem crescendo, o advocacy, mais voltado para defesas de causa do que de setores. Esse é um dos futuros da atividade”. Elizabeth de Carvalhaes concorda com a necessidade de transparência e respeito às leis.
“A atividade ainda é entendida por alguns de maneira errada. No entanto, é graças a ela que os formadores de políticas públicas, sejam eles do Executivo ou Legislativo, conseguem informações, dados e análises sobre determinado tema e podem tomar decisões mais seguras, entendendo como ela beneficiará a sociedade em geral e reforçando a democracia”.
Se não pode ser considerado exclusividade das democracias, é neste sistema político que o lobby põe em prática um de seus principais conceitos – a participação de todos. Por meio de audiências públicas e contatos com seus representantes eleitos, o povo consegue opinar e defender seus pontos de vista.
“Em regimes não democráticos também há lobby, mas não são todos os grupos que possuem acesso aos tomadores de decisão. Por exemplo, em países nos quais direitos
LGBTQIA+ são suprimidos, grupos ativistas que fazem lobby pela causa podem ser reprimidos, presos ou mortos. Nesse trágico e lamentável exemplo, não há lobby para todos, apenas para os aceitos por determinado regime”, lamenta o diretor da Edelman.
A capacidade do lobby de dar voz a todos os grupos que compõem a sociedade, defendendo causas e proporcionando oportunidades às minorias, faz dele um ingrediente importante para a manutenção das democracias. “O lobby possibilita que os diversos elos da sociedade sejam ouvidos pelos formadores de políticas públicas, que definem regulamentações e programas de governo. É por meio dessa atividade que os grupos conseguem apresentar seus interesses e demonstrar como eles podem beneficiar a sociedade e o país”, defende Elizabeth.
“O lobby é para todos, não é apenas de empresas ou grupos econômicos, mas também de causas e grupos identitários. Uma sociedade mais plural somente será construída quando todos os grupos postularem seus interesses e participarem do processo de discussão de políticas públicas”, argumenta Thomaz D’Addio.