Confira o artigo de Fernanda Burle, Conselheira do IRELGOV, publicado no Correio Braziliense*.
O recente reconhecimento, pelo Ministério do Trabalho, da atividade de lobby como profissão pede que a história desse mercado seja repassada para que se desfaçam preconceitos que têm ajudado a travar um importante setor que contribui com o país de diversos modos, seja gerando empregos qualificados, seja ampliando o controle social do processo de elaboração de novas leis.
O termo lobby, como defesa de interesses, tem sido impregnado por uma conotação negativa, identificada por conversas espúrias, muitas vezes atrelada ao pagamento de propina. Ao contrário dessa imagem equivocada, no entanto, a atividade é legítima. É por meio dela que entidades de classe, associações, grupos organizados, empresas e indivíduos podem apresentar, de forma qualificada, seus pontos de vista sobre as políticas públicas aos tomadores de decisão.
Os integrantes da força-tarefa da Lava-Jato, por exemplo, adotaram a estratégia de eles mesmos fazerem o lobby em favor da aprovação dos projetos que julgam necessários para tornar mais efetiva a persecução penal. Isso ficou evidente quando procuradores passaram a frequentar o Congresso para falar com deputados e senadores. Isso também ocorreu com grupos de atletas famosos e artistas que, em determinado momento, acharam oportuno apresentar suas propostas aos legisladores.
Em sentido amplo, a defesa de interesses — também conhecida como advocacy — é muito mais do que o mero engajamento direto com o agente público. Ela envolve um alto nível de conhecimento da política pública que se busca defender ou alterar, do ambiente em que ela se impõe e dos atores envolvidos em dado contexto ou situação. O relacionamento institucional pressupõe um trabalho de inteligência e construção de uma estratégia de formação de opinião e de engajamento.
A principal vantagem desse sistema é ampliar o acesso do tomador de decisão às informações relevantes para o processo. A diversidade de perspectivas e opiniões dos grupos de interesse, sobre temas muitas vezes complexos e multidisciplinares, enriquece a discussão. Por isso, a prática de advocacy deve ser estimulada, assim como os mecanismos de transparência que devem acompanhá-la. O trabalho conduzido por profissionais sérios e competentes deve ser corretamente separado dos desvios cometidos por quem adota práticas criminosas.
Com modelos diferentes, os Estados Unidos, a União Europeia e, mais recentemente, o Chile têm regulamentação específica sobre o assunto. Mas é preciso tomar cuidado com a regulamentação excessiva. Nos Estados Unidos, por exemplo, o excesso de burocracia levou ao aumento da informalidade, dificultando, inclusive, a punição daqueles que praticam o lobby em desconformidade com a lei.
O modelo adotado pela União Europeia, por outro lado, é fundado na transparência e na igualdade de acesso às instâncias decisórias, o que ajuda a promover a prática de advocacy de forma saudável e positiva. No Brasil, o lobby tem fundamento no inciso 34 do artigo 5º da Constituição Federal, que assegura a todos os brasileiros o direito de apresentar petições aos Poderes Públicos.
Com base no mandamento legal, pode parecer desnecessária eventual regulamentação infraconstitucional pelo Congresso, mas será bem-vinda e útil, desde que fundamentada em experiências inclusivas e que promovam a transparência. Informações sobre reuniões com agentes públicos, conversas com autoridades, agendas a serem tratadas e identificação dos representados são de extrema relevância e devem ser compartilhadas com o cidadão para acompanhamento do debate político.
O Brasil não precisa de mais burocracia. Práticas espúrias nas relações com o governo, como as identificadas pela Lava-Jato e tantas outras iniciativas dos órgãos governamentais de controle, não configuram lobby ou defesa de interesses, mas, sim, ilícitos e crimes que devem ser combatidos em qualquer contexto. Para essa finalidade, é farta a legislação em vigor, a exemplo da Lei Anticorrupção, da Lei de Improbidade Administrativa, do Código Penal e da Lei de Lavagem de Dinheiro. Basta aplicar as normas que existem em nosso ordenamento jurídico.
Fernanda Burle – Advogada e coordenadora do Comitê de Relações Governamentais do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa)
Artigo publicado originalmente em 17/05/2018 no Correio Braziliense.
*A opinião do autor não reflete necessariamente a posição do IRELGOV.