Por Emily Rees
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“Projeto de lei exigirá uniforme unissex em 2018”, “Gilmar Mendes mandou cancelar o BBB17”, “EUA e ONU sugerem intervenção militar no Brasil”; notícias como estas estão entre as manchetes mais circuladas em mídias sociais no Brasil no último ano.[1] Comum a todas elas é o fato de trazerem informações falsas. Segundo pesquisadores da Universidade de Harvard, o grande número de usuários de mídias sociais, as divisões políticas na sociedade e uso prevalente de redes “fechadas” como o WhatsApp tornam o Brasil especialmente suscetível às chamadas fake news.[2]
A tendência, no entanto, é global. Segundo o Global Trust Barometer da Edelman, a confiança dos cidadãos em informações divulgadas por empresas, governo, ONGs e imprensa declinou de forma impressionante. Hoje, dois terços da população mundial acreditam que informações vazadas são mais confiáveis do que comunicados de imprensa. Seis a cada dez pessoas possuem mais confiança em resultados de ferramentas de busca do que em mídias tradicionais.[3] De forma surpreendente, pesquisas mostram ainda que não há correlação entre a desconfiança em fontes oficiais e o nível de educação.[4]
Embora as múltiplas origens da onda de desconfiança ainda sejam debatidas, para James Harding, chefe de redação da BBC que criou a nova equipe de “reality check”, três fatores se destacam: “ruptura das regras normais por crescimento econômico fraco e desigualdades crescentes; inovação tecnológica estimulando mudanças comportamentais e insegurança no emprego; e políticas de identidade que suplantam partidos tradicionais e alimentam narrativas de exclusão”.[5] Quem divulga informações falsas tira proveito da dificuldade das pessoas em avaliar risco, e do seu medo do desconhecido.
Enquanto a força de divulgação e compartilhamento de notícias falsas se amplia, corremos o risco de que a pluralidade de perspectivas prevaleça sobre a exatidão. Nessa batalha, o profissional de relações governamentais, por ter como responsabilidade a gestão de riscos relacionados à reputação, terá papel fundamental em apoiar fatos no debate público e reestabelecer a confiança nas relações com stakeholders.
O conceito de fake news não possui definição internacionalmente acordada, mas é constituído de um vasto leque de fenômenos. Segundo o Media Policy Project, da London School of Economics, seis diferentes tipos de desinformação se destacam: supostas interferências estrangeiras em eleições domésticas; invenções acionadas por propaganda paga; paródias e sátiras; jornalismo ruim; informações opostas de forma ideológica; e informações que desafiam autoridades ortodoxas.[6]
Embora a desinformação possa surgir por falta de conhecimento, mídias sociais fornecem terreno fértil a campanhas de fake news. Com o modelo comercial das redes sociais baseado em capturar cada vez mais minutos de atenção dos seus usuários, as empresas do Vale do Silício procuram fornecer conteúdo compatível com os interesses e crenças pessoais dos seus usuários. Algoritmos aperfeiçoados encorajam a constituição de comunidades com “bolhas de filtro”, que confrontam usuários cada vez mais com uma versão única dos fatos: aquela que reforça a sua própria visão.
Cientes do risco de se tornarem plataformas de divulgação de fake news, as redes sociais começaram a introduzir medidas para enfraquecer a divulgação de desinformação: melhoraram as verificações de quem paga por propaganda, criaram parcerias com empresas para realizar fact checking e introduziram novos controles e sistemas para identificar contas que estiverem imitando marcas e organizações. Embora sejam passos importantes, as redes sociais ainda não criaram um balcão para organizações relatarem desinformações que atinjam a sua imagem.
A Monsanto, que está lidando com rumores e teorias de conspiração ligados à biotecnologia há anos, tem adaptado a sua estratégia de luta contra a desinformação nas redes sociais. A sofisticação crescente dos boatos divulgados online, como aquele que ligava os casos de microcefalia no Brasil ao uso de pesticida e não ao vírus da Zika, chamaram a atenção da empresa para um fato importante: combater informações falsas com informações corretas pode reforçar falsidades se não houver engajamento ao nível de valores.[7]
As fake news que atingem números recordes de compartilhamentos costumam tocar em temas diretamente ligados à identidade e aos valores fundamentais dos usuários que as compartilham, como suas visões sobre questões de gênero, políticas fiscais, políticas de segurança pública, entre outros temas de visibilidade no debate público. Segundo o diretor de engajamento da Geração Y da empresa, estratégias que buscam reequilibrar as discussões devem levar em conta os valores de seu grupo alvo e não apenas contra argumentar manchetes. Para isso, colaboradores são as pessoas mais indicadas para entrar em mídias sociais e discutir os fatos com amigos e familiares.[8]
Nesta nova era de desinformação e desconfiança, organizações priorizarão estratégias baseadas em diálogos, em comparação às tradicionais técnicas de comunicação push, criando novos desafios para profissionais de relações governamentais. Enquanto comunicados de imprensa, cartas ou relatórios de posicionamento permitem expor um posicionamento institucional definido numa área predeterminada, mais diálogo gera maior imprevisibilidade em relação aos temas a serem levantados pelo público, dando mais espaço e visibilidade a temas considerados secundários.
Organizações terão que se ajustar a esta nova realidade, começando pela definição e adoção de posições claras em múltiplos temas considerados até então anexos a sua missão. A distinção entre imparcialidade e neutralidade, ou seja, entre tomar partido com base em evidências e não assumir posição nenhuma, será crucial para organizações possam reestabelecer fatos no debate público. Para isso, como observado no caso da Monsanto, hoje é ainda mais importante que colaboradores sejam bem versados nas posições organizacionais e sejam capacitados de forma a assumir um papel crescente de emissário nas redes sociais.
Além disso, organizações deverão priorizar a constituição de relações de confiança com os seus stakeholders. Veremos uma transição nas relações com partes interessadas: confiança mútua será mais importante que interesses comuns. Neste âmbito, transparência terá destaque por ser uma condição sine qua non à construção de relações de confiança. Isto trará novos desafios, pois trabalhar com transparência não é simples. A verdade pode ser impopular, até inconveniente. Portanto, num mundo em que a não divulgação de fatos é percebida de forma suspeita, organizações que apostam na maior exposição de fatos, mesmo aqueles desconfortáveis, ganharão maior confiança dos seus stakeholders. Expor vulnerabilidades acaba sendo uma virtude. Proatividade na divulgação de fatos limita especulações e incertezas, enquanto a ausência de comunicação expõe organizações a todos os tipos de acusações e ativismo em redes sociais.
De forma a restabelecer a fé nas informações divulgadas, é necessário sair de modelos tradicionais de engajamento e colocar pessoas no centro das atividades. Profissionais de relações governamentais, por terem a exatidão das informações relativas às suas atividades, devem assumir papel importante nas suas organizações chamando atenção ao fato de que, mais do que pensar antes de falar, hoje é necessário pensar antes de compartilhar. Processos internos podem ser avançados de forma a consolidar a devida diligência para garantir que a sua organização não esteja promovendo, intencionalmente ou não, nada mais do que a verdade.
Emily Rees é Gerente de Relações Governamentais da Apex-Brasil, a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos, baseada em Bruxelas. De nacionalidade francesa e britânica, ela atua em public affairs em nível internacional há mais de doze anos.
Referências:
[1] Levantamento das páginas de verificação de notícias: www.e-farsas.com e www.boatos.org
[2] Fake News Risks Plaguing Brazil Elections, Top Fact-Checkers Say, Bloomberg Politics, 9 de janeiro de 2018
[3] Edelman Global Trust Barometer 2017
[4] IFOP, Enquête sur le complotisme, pesquisa para a Fundação Jean Jaurès e a Conspiracy Watch, 8 de janeiro de 2018
[5] BBC sets up team to debunk fake news, The Guardian, 12 de janeiro de 2017
[6] Tambini, D. (2017). Fake News: Public Policy Responses. Media Policy Brief 20. London: Media Policy Project, London School of Economics and Political Science
[7] World Health Organization (2017) Zika virus and complications: Questions and answers
[8] Financial Times “Companies scramble to combat ‘fake news’’’