Erik Camarano, Diretor Sênior de Relações Governamentais LATAM na BioMarin, bateu um papo rápido com Karan Bhatia, vice-presidente de Government Affairs & Public Policy do Google, ex-subsecretário de comércio dos Estados Unidos e com longa experiência em assuntos públicos. Confira:
Como as relações governamentais se dão atualmente?
Quando comecei nessa área o cenário era mais básico – em muitas empresas a área nem existia oficialmente e os profissionais ficavam dentro do departamento jurídico. Na verdade, o lobby era fonte de incertezas para as empresas.
Hoje a maioria das grandes empresas conta com um departamento dedicado, logo abaixo do CEO. Afinal, para muitos empreendimentos, o papel do governo é mais importante do que nunca e pode influenciar no sucesso ou no fracasso comercial. Às vezes a questão regulatória atrapalha e o risco supera os benefícios.
Todas as gerações consideram o seu momento mais desafiador do que o passado. Nos últimos 20 anos, o zeitgeist era de integração internacional, de economias convergindo. Entretanto, houve uma fratura nesse consenso e hoje já se fala em “desglobalização”, um movimento no sentido contrário, turbinado por regimes populistas, que incentivam o protecionismo econômico.
O mundo é multipolar, com lideranças fragmentadas – Rússia, China, o ocidente preocupado com suas divisões internas. Há incerteza e alguns países não sabem como agir nesse cenário. A política externa fica complicada e isso dificulta o trabalho das empresas globais, o que torna ainda mais importante a atuação dos relgovs.
Ao mesmo tempo, existem mais partes interessadas – colaboradores, comunidades, stakeholders, políticos, ativistas de direitos humanos. Com a queda de confiança nos governos, as empresas assumem um papel de liderança, mas para tal a companhia precisa entender seus próprios valores. Explicar objetivos e propósitos a todos esses públicos é desafiador. São questões complexas e o prazo de resposta é cada vez mais curto, caiu de horas para minutos.
Nesses dois últimos anos fomos surpreendidos pela pandemia. O que mudou na área de relgov? A integração digital acelerou?
Nesses dois últimos anos de condições extraordinárias houve mais aceleração do que haveria em 10 anos “normais”. E isso vale para tudo – desde as formas que usamos para nos encontrar ao entretenimento. Isso alterou radicalmente os negócios e não vamos voltar ao cenário anterior.
A humanidade abriu uma caixa de pandora. Percebemos a possibilidade de ser eficazes de dentro de nossas casas. Para a área de relgov é muito prático. Lidero equipes em 55 países e todos aparecem em pequenos quadrados na tela. Isso traz igualdade para as relações e muda a profissão.
E quais são os efeitos colaterais? Como será o futuro do relgov?
Muitas tensões acumuladas já existiam antes da Covid-19 – desigualdade econômica, problemas ambientais e raciais. Isso provoca muita divisão. As agendas ficarão mais difíceis.
No entanto, os países poderiam se unir para encontrar soluções. A pandemia não teve coordenação central alguma, foi cada um por si, cada país correndo atrás de vacinas e fechando fronteiras. Essa desorganização não ajuda nossa atividade.
Há muitos estudantes acompanhando o congresso. Quais são as habilidades do profissional de relgov do futuro?
Não podemos mais ser generalistas. Seremos obrigados a conhecer a fundo o sistema político de um país, ter domínio dos temas para agregar valor. Em um mundo que trabalha cada vez mais com conexão entre as pessoas, habilidades de comunicação – escrita e oral – serão essenciais.
Como operamos em ambientes incertos, temos que possuir boas capacidades de julgamento para avaliar as situações. E isso não é fácil; se fosse, seríamos substituídos por computadores. O Google até está trabalhando nisso, mas não será tão simples.