Complexidade da estrutura da União Europeia e o lobby
Dentro do objetivo de disseminar as melhores práticas das relações governamentais, o IRELGOV realizou no dia 11 de maio, no auditório da ESPM, em São Paulo, o segundo evento da série sobre o lobby na União Europeia. O debate teve participação do embaixador da União Europeia no Brasil, João Gomes Cravinho; do diretor de Assuntos Corporativos e Governamentais da Bayer, Christian Lohbauer; do diretor executivo da UNICA (União da Indústria de Cana-de-Açúcar), Eduardo Leão de Souza; da especialista em comunicação corporativa Lejla Kapetanovic Rodrigues e de Nils Grafström, da Câmara de Comércio da Suécia. O primeiro evento aconteceu em 25 de março, em Brasília, na sede da CNI.
Durante os debates foram expostas diferentes realidades da complexa estrutura política do bloco europeu e como funcionam, na prática, as atividades de lobby em Bruxelas, capital administrativa da União Europeia.
O embaixador Cravinho explicou como foi feita a regulamentação do lobby na UE, com a criação, em 2008, do Registro de Transparência. Entidades e lobistas que atuam na defesa de interesses podem, de forma espontânea, aderir a este registro. Ele garante livre acesso ao Parlamento Europeu e possibilidade de falar em audiências públicas e participar de reuniões com Comissários, membros do Gabinete e Diretores-gerais da Comissão Europeia. Segundo o embaixador Cravinho, estima-se que 70% a 75% das entidades e lobistas que atuam em Bruxelas aderiram ao registro voluntário. O Registro de Transparência foi revisado em 2014 e, atualmente, discute-se a possibilidade de tornar o registro obrigatório.
O embaixador explicou que também existem regras severas sobre o relacionamento com entidades privadas no código de conduta dos funcionários e autoridades da Comissão e Parlamento Europeu. O embaixador citou os períodos de quarentena para ex-funcionários atuarem como profissionais de relações institucionais, podendo chegar a 24 meses para o presidente da Comissão, e o reforço nas avaliações de novos funcionários para verificar se há conflito de interesses com suas atuações anteriores com temas que serão tratados dentro da estrutura administrativa do bloco. “Há um esforço permanente para tornar a regulamentação das atividades do lobby mais eficiente e diminuir os custos, diretos e indiretos”, afirmou o embaixador João Gomes Cravinho.
A apresentação do embaixador Cravinho abordou alguns aspectos que deverão ser discutidos no processo de regulamentação do lobby no Brasil. “A adesão voluntária de quem quer fazer parte do grupo de lobistas é uma boa opção para a discussão brasileira”, analisou Christian Lohbauer, que alerta para o risco de uma regulamentação mal estruturada poder criar mais uma corporação, o que poderia ser um entrave ao país. Lohbauer também destacou a importância da transparência, da disponibilização de informações em quantidade e boa qualidade e a diminuição da distância entre os políticos e o cidadão como aspectos para uma boa regulamentação.
Bruxelas
As decisões da União Europeia se tornaram cada vez mais complexas, pois elas precisam levar em consideração a realidade de cada uma das 28 nações que fazem parte do bloco. Para uma atuação eficiente é preciso conhecer como funciona o processo decisório e a estrutura administrativa da Comissão. A presença física em Bruxelas acaba se tornando uma necessidade. Estima-se que haja cerca de 11 mil escritórios de representação instalados na cidade.
Eduardo Leão de Souza contou a experiência da UNICA (União da Indústria de Cana-de-Açúcar) em Bruxelas. Desde 2008, a entidade mantém um escritório de representação na cidade. De acordo com Souza, pela complexidade dos processos decisórios, é importante ter uma presença permanente e manter contato frequente com stakeholders e formadores de políticas, pois o trabalho é de longo prazo. “É fundamental demonstrar credibilidade. Este é um aspecto de maior importância”, afirmou. A UNICA sempre procura levar e buscar informações baseadas em ciência e em dados técnicos, consistentes, verificáveis e bem fundamentadas, completou Souza.
Contrastes
A complexidade e diversidade da União Europeia ficaram claras com as exposições feitas por Lejla Kapetanovic Rodrigues, que falou sobre a situação político-administrativa da Bósnia e Herzegovina, além de seus esforços para atingir os níveis de governança corporativa exigidos pelo bloco, e Nils Grafström, que apresentou a realidade da Suécia.
Depois da guerra civil no início dos anos 90, a Bósnia e Herzegovina ainda não concluiu a construção da estrutura administrativa e política do Estado, pois o país está revendo suas instituições para se adequar aos parâmetros exigidos para que seja aceita na União Europeia. A república é tripartida, com a presidência exercida, de forma rotativa, por um representante bósnio-muçulmano, um croata e um sérvio, que se revezam no cargo a cada 8 meses. Lejla informou que o governo bósnio tem uma estrutura administrativa gigantesca, com cerca de 260 ministérios. Para aderir à União Europeia, a Bósnia precisa passar por reformas profundas que garantam a boa governança do país. O Acordo de Estabilização e de Associação assinado pela UE e a Bósnia estabelece pontos para se criar uma administração eficaz, capaz de responder às necessidades de seus cidadãos. Segundo Lejla, entre os requisitos do acordo estão o fortalecimento da democracia e do estado de direito, ajustes para um serviço público mais eficiente, controle das finanças públicas e maior transparência. “Sem essas reformas é impossível providenciar uma boa governança. Isso também pode ser aplicado ao Brasil”, comentou.
Em contraste com a situação da Bósnia e Herzegovina, Nils Grafström conta que transparência e controle social são conceitos consolidados na cultura sueca. A primeira lei que tratou sobre transparência tem mais de 200 anos. Na Suécia entende-se que é fundamental a sociedade influenciar os políticos, mas os processos decisórios na esfera pública são tão transparentes que não houve necessidade de fazer uma regulamentação do lobby, com o registro dos lobistas e códigos de conduta, por exemplo. O lobby é feito de forma natural, pois qualquer nova lei é colocada para consulta pública e, antes de uma decisão, a proposta é distribuída para todas entidades que teriam interesse no tema, como ONGs, federações, indústrias, partidos políticos e outras organizações. O controle dos grupos de interesse é garantido pela transparência. Qualquer cidadão pode acessar informações completas sobre funcionários e políticos na internet ou solicitar qualquer documento do governo, quase sem custos, com exceção de questões ligadas à segurança e ao relacionamento da Suécia com outros países.
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