Confira a matéria sobre o papel das Bancas nas Relações Governamentais, de Gabriel Di Blasi, Conselheiro do IRELGOV, com participação de Anselmo Takaki, também Conselheiro e Diretor Financeiro.
Mudanças estruturais ocorridas tornaram fundamentais atuações de profissionais do Direito
A partir do fim da década de 80 e início dos anos 1990, o mundo iniciou um processo de modernização das atividades produtivas e empresariais. Acrescenta-se a esse fato o efeito da globalização na economia mundial e na comunicação, com o surgimento da internet, tornando o mercado mais vigilante das práticas exercidas pela sociedade. Nesse passo, urgiu a necessidade de criação de métodos para controlar e assegurar o correto funcionamento dessas atividades e torná-las mais transparentes.
No Brasil, o Estado é encarregado de trazer do ordenamento jurídico as devidas garantias sociais, assim como prestar contas no que concerne aos bens que lhe foram confiados pela nação – que, por sua vez, detém a supervisão do poder político, como assegura a Constituição da República.
Neste sentido, várias medidas foram tomadas, nas últimas décadas, para superar as deficiências e as necessidades da administração burocrática. Uma delas foi o Plano Diretor desenvolvido no primeiro mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Desde então, vários diplomas legais e programas governamentais são instituídos com vistas a mudar o modo de atuação do governo e de sua máquina administrativa, no intuito de levar a administração a desempenhar suas funções com qualidade e lisura, atendendo às atuais demandas sociais e incentivando o controle social, a transparência e práticas anticorrupção
Nesse momento, a participação de grupos sociais na formulação de políticas públicas se tornou fundamental para o desenvolvimento das democracias – que, por sua vez, possuem como diretrizes a ética, a educação e a liberdade de expressão. É neste contexto que se insere o profissional de relações governamentais, que desempenha um papel fundamental para as organizações públicas ou privadas, possuindo como objetivo a conquista ou manutenção das posições de liderança em seus setores.
Tais profissionais têm como uma de suas atribuições proporcionar troca de informações entre suas organizações e o governo, atualizando-as a respeito do trabalho governamental; e, por outro lado, fornecendo às entidades governamentais informações sobre a atividade das organizações que representa, realizando análises de riscos e identificando oportunidades, além da elaboração de cenários futuros.
O trabalho dos profissionais de relações governamentais fortalece e legitima a relação entre as organizações privadas e governamentais, contribuindo para a construção de um processo decisório transparente. Além disso, contribui para o posicionamento dessas organizações no mercado, reforçando sua reputação junto aos seus stakeholders e a sociedade.
Contudo, observa-se nos dias atuais uma profunda crise ética e política, com reflexos diretos na economia do país, afetando não só o setor produtivo, mas também aumentando significativamente os níveis de desemprego e de pobreza.
Em vista deste cenário – ocasionado, em parte, pelas práticas de crimes contra a administração pública e desequilíbrio de poder e concessão de privilégios injustificáveis a interesses determinados, caracterizando, assim, o tráfico de influência – o fenômeno da “judicialização da política” no Brasil vem tomando corpo e interferindo de maneira regular e significativa nas opções políticas dos poderes Legislativo e Executivo, onde o protagonismo do Judiciário se faz sentir cada vez mais presente.
A atuação dos profissionais do Direito, mais especificamente das bancas de advocacia, tornou-se fundamental neste cenário, tendo em vista as mudanças estruturais ocorridas, por exemplo, nos agentes reguladores das organizações governamentais, nos limites de contratação de produtos e serviços, nas legislações, no conceito da boa-fé jurídica, nas práticas de relações governamentais, bem como nas políticas de compliance das empresas.
Tais mudanças, em consonância com os interesses e a capacidade técnica jurídica dos profissionais das bancas de advocacia, ampliaram as atuações desses profissionais para, também, aplicar as melhores práticas para defender, organizar e legitimar, de forma ética e transparente, as relações governamentais entre os diversos setores da sociedade.
Em virtude de sua natureza plural, o processo regularmente exercido por um profissional em relações governamentais não se limita essencialmente a aspectos econômicos, políticos ou jurídicos, tendo em vista uma abordagem múltipla que atinge diversos interesses sociais.
Considerando as prerrogativas do advogado para o exercício democrático da representação de legítimos interesses privados, a advocacia parece ser a profissão que mais se adequa à atividade de relações governamentais.
De acordo com a pesquisa realizada por Wagner Parente, o primeiro lugar no ranking de profissionais de relações governamentais é o advogado. Este resultado, segundo ele, parece ser evidente pelo perfil transversal do direito, somado à regulamentação da profissão, estabelecida pela Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. Pode-se dizer, pois, que em virtude de sua própria formação acadêmica, é o advogado o profissional mais bem preparado para o exercício deste ofício.
Anselmo Takaki, atual diretor financeiro do Instituto de Relações Governamentais – Irelgov, indaga, em entrevista feita a algumas consultorias de relações governamentais (relgov), a respeito da escolha, da parte de empresas contratantes, entre uma consultoria política de relgov e um escritório de advocacia com perfil relgov. A resposta mais comum é que depende do nível de maturidade em relações governamentais da empresa. Ou seja: se já há um departamento de relgov interno na empresa, faz mais sentido contratar uma consultoria política. Por outro lado, contratar um escritório de advocacia para exercer as atividades de relgov faz mais sentido por conta do próprio caráter “procedimental” que o escritório pode oferecer – como, por exemplo, protocolar documentos, agendar reuniões, acompanhar audiências, despachar com políticos, entre outras. Takaki afirma, ainda, que os escritórios de advocacia podem possuir conhecimento em ciência política ou política partidária em qualquer nível de representatividade, sem contar o amplo conhecimento nas questões negociais e no contencioso, fazendo com que estejam capacitados para exercer plenamente as atividades de relações governamentais.
Essas assertivas podem ser confirmadas na tabela a seguir, que demonstra o perfil dos grupos que requerem o acesso aos documentos da União Europeia – EU. Como pode ser observado, o número de consultas feitas por advogados vem crescendo a cada ano.
Considerando a crescente demanda das empresas, devido ao momento atual que requer de forma efetiva uma posição pública e adequada, nota-se o desenvolvimento do setor e o aumento das oportunidades para o profissional da advocacia que atua na atividade de governança corporativa, e que vem crescendo a cada ano.
Entretanto, para se adequar a essa nova realidade, os escritórios de advocacia necessitam se preparar tecnicamente para atender as condições das demandas de seus clientes, capacitando seus profissionais adequadamente para a resolução dos interesses institucionais e técnicos das empresas.
Por exemplo, os advogados que atuam na área de relações governamentais devem estar aptos a definir um programa de relacionamento direto e contínuo com representantes das instituições ou entidades públicas, com o objetivo de apresentar assuntos relevantes e específicos de interesse de seu cliente.
Já em relação à prática da atividade do advocacy, os escritórios devem ter em seus quadros advogados que terão como missão conhecer em detalhes o negócio do seu cliente, identificar os respectivos propósitos sociais do negócio e apresentá-los à sociedade, a fim de combinar os interesses comuns e criar uma ação conjunta de mobilização e posicionamento capaz de gerar na sociedade mais conscientização sobre uma determinada causa pública.
Nesse caso, os recursos técnicos a serem aplicados nessa missão já existem – só precisam ser identificados e compreendidos pelo advogado para serem utilizados de maneira inteligente, eficaz e produtiva. Nessa toada, a habilidade do advogado em relação às práticas de comunicação e relações públicas pode ser considerada prerrogativa de exercício de sua profissão, que o qualifica para atuar como profissional capaz de praticar a atividade do advocacy.
Quanto à realização dos procedimentos de compliance, os profissionais das bancas de advocacia devem agir de maneira fiscalizadora, orientando os seus clientes a executar, cumprir e satisfazer todas as etapas desse processo, observando as normas jurídicas e os regulamentos, com o objetivo de aprimorar as condutas e reprimir atos lesivos, praticados pelos clientes. Considerando a necessidade da análise de normas jurídicas como condição para o exercício dessa função, as bancas de advocacia são inteiramente aptas a atuar na atividade de compliance.
Por fim, a prática das atividades do lobbying, que são as ações de defesa de interesses de determinados grupos da sociedade de modo a influenciar o processo de decisão final, também possui uma estreita relação com os profissionais da advocacia, pelo fato desses profissionais exercerem democraticamente a representação legítima dos interesses de seus clientes. Essa representação nada mais é do que a principal característica do lobbying.
No tocante à associação ainda existente entre a atividade do lobbying e as práticas ilícitas de defesa de interesses escusos, há um movimento em direção à legitimidade desta atividade no Congresso Nacional, cuja participação das bancas de advocacia é extremamente importante. Esse desejo está em consonância com a necessidade de regulamentação de instrumentos que promovam uma relação com a participação legítima e transparente da sociedade em todos os níveis governamentais.
Diante dos fatos e das situações apresentadas, as bancas de advocacia são candidatas a se qualificar para exercer esse papel em defesa dos interesses de tais grupos setoriais da sociedade, uma vez que possuem toda a estrutura e expertise, com profissionais qualificados para atuarem na defesa dos interesses de seus clientes.
Assim, é fundamental ter em mente a necessidade de se capacitar e, acima de tudo, estar imbuído de princípios éticos e valores morais para promover essa nova atividade que vem crescendo e modificando o mercado advocatício.
Gabriel Di Blasi – Advogado, conselheiro do Conselho Deliberativo do Instituto de Relações Governamentais – IRelGov, Engenheiro, membro do Conselho Regional de Engenharia, Agente da Propriedade Industrial.
JOTA – Às claras
Publicado em 24/01/2017