“O senhor poderia me dizer, por favor, qual o caminho que devo tomar para sair daqui?
– Isso depende muito para onde você quer ir, respondeu o Gato.
– Não me importo muito para onde, retrucou Alice.
– Então não importa o caminho que escolher, disse o Gato.
– Contanto que dê em algum lugar, Alice completou.
– Oh, você pode ter certeza que vai chegar se você caminhar bastante, disse o Gato.”
Trecho de “Alice no país das maravilhas”, de Lewis Carroll
Muito se tem escrito e discutido recentemente sobre lobby no Brasil, principalmente sobre sua regulamentação. Em geral, as reações e comentários são positivos e muitos apoiam um novo marco regulatório, principalmente porque acreditam que isso contribuiria para a redução da corrupção no Brasil, particularmente entre as relações entre público e privado. Porém, as discussões têm sido feitas de forma superficial e as opiniões e críticas são baseadas geralmente em percepções errôneas sobre o quede fato é lobby.
Lobby significa defesa de interesses, qualquer interesse que o cidadão acredita que precisa ser atendido ou defendido. E essa defesa é legal, legítima e prevista como direito no artigo 5º, XXXIV, da Constituição Federal: “(…) são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder.” Apesar disso, lobby continua sendo confundido com crimes previstos no Código Penal como, por exemplo, tráfico de influência e corrupção, principalmente em tempos de Lava-Jato, Mensalão e Petrolão.
O tema é muito mais complexo do que parece e exige muito mais debates, análises e participação social do que temos visto até agora. Envolve os três Poderes, as agências regulatórias, toda a administração pública, as demandas sociais, trabalhistas, e também as relações públicas e privadas.
Vivemos hoje em um sistema presidencialista de coalizão, onde o Poder Executivo, mesmo com muito poder, precisa negociar suas pautas com o Legislativo para que possa governar. E o Poder Legislativo, por sua vez, representado por Senadores e Deputados, precisa ser suportado pela sociedade, técnicos, grupos de pressão e outros, para a formulação ou não de novas políticas públicas. É neste contexto que o lobby se faz essencial à democracia. Todos têm o direito de participar das discussões em andamento e defender seus interesses não só no Congresso Nacional mas também nas Assembleias Estaduais, Câmaras Municipais e no Poder Executivo, porque toda legislação que vier a ser publicada irá invariavelmente impactar a vida de todos, positiva ou negativamente.
Por isso, hoje vivemos os interesses defendidos pelos mais diversos atores e setores da sociedade, que se transformaram em regras, direitos e/ou obrigações que seguimos, muitas vezes, sem saber da origem, sem saber quem atuou no processo de formulação, revisão, discussão e aprovação. E isso geralmente ocorre pela decisão pessoal de não se envolver e não porque as informações estejam indisponíveis.
Em artigo recente, intitulado “Redes de influência no Congresso Nacional: como se articulam os principais grupos de interesse” e publicado na Revista de Sociologia e Política, Pablo Silva Cesário realizou mapeamento e análise sobre como grupos de interesse se articulam ao redor das principais discussões, quais são os mais ativos e quais as principais características da estrutura dessas relações. Constatou 14 principais grupos de interesse, sendo que mais da metade dos integrantes desse núcleo é composta de centrais sindicais (CTB, CUT, CONLUTAS, NCST e UGT) e de suas organizações afiliadas (DIEESE e FST). Deste núcleo ainda fazem parte sindicatos e associações de funcionários públicos (SINAIT, ANPT, ANAMATRA, ANFIP e COBAP).
Ao contrário do que a maioria percebe como lobby sendo uma prática exclusiva das empresas privadas, apenas dois grupos de interesse, nesta análise, são empresariais: a CNI – Confederação Nacional da Indústria, e a CNC – Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo.
Esses dados colaboram para desmontar a percepção de que há predominância ou exclusividade de interesses privados e financeiros sendo defendidos principalmente no Congresso e trás à tona que são os interesses dos sindicatos e do funcionalismo público que mais ativamente, e de forma mais organizada, têm sido defendidos ultimamente.
A atuação em regime democrático demanda vontade, interação, pesquisa, persistência. Assim, as decisões políticas irão refletir os interesses da maioria que atuou nas demandas, que participou ativa e democraticamente do processo, seja sindicato ou empresa privada, seja ONG ou movimentos sociais, seja igreja ou comunidade LGBT.
Daí a necessidade de haver muito mais debate e participação social nas discussões e propostas de regulamentação do lobby apresentadas na Câmara e no Senado. O tema é desafiador, afeta todos nós e exige mais do que uma única resposta à sociedade vinda da publicação de mais uma lei. Percepções precisam ser substituídas por fatos. Lobista deve ser entendido como aquele que defende interesses legais e legítimos e não confundido com negociador, mediador ou, pior, com operador de propinas. Grupos de pressão diversos, como movimentos sindicais, religiosos, pacientes, entre outros precisam entender que praticam lobby ao defender seus interesses, sejam eles econômicos ou não.
A atividade de lobby, ou relações institucionais e governamentais, é instrumento democrático, que atua para a construção de um ambiente regulatório equilibrado e constantemente atualizado diante das mudanças e de tantas e diversas demandas sociais.
Ao se avançar na proposta de regulamentar o lobby, é preciso ter em mente como incluir na lei todas as áreas e setores que defendem de forma legítima seus interesses, a observação de direitos constitucionais e adquiridos, a necessidade constante do diálogo, o foco em processos e procedimentos transparentes, éticos, legais e colaborativos. Somente um mecanismo de participação social garantirá o sucesso de uma eventual regulamentação. Possuímos marcos regulatórios mais que suficientes para coibir qualquer prática criminosa. É preciso, antes, saber o que temos, onde estamos, o que realmente queremos e para onde pretendemos ir. Do contrário, como o gato respondeu para a Alice, qualquer caminho serve.
Sobre a autora:
Kelly Aguilar é Conselheira do IRELGOV e Especialista Sênior em Relações Governamentais na MSD no Brasil. Tradutora e advogada, com especialização em Propriedade Intelectual e Direito Processual Civil, Kelly trabalha em relações governamentais há mais de dez anos.