Certa vez recebi um artigo em inglês pela internet que me chamou muito a atenção pelo título que, em tradução livre, dizia “Você consegue em três minutos explicar seu trabalho ao seu filho de dez anos?”. O artigo falava sobre o profissional de relações governamentais, área em que atuo há alguns anos e não consegui responder a pergunta imediatamente! Em seguida, lá estava eu treinando mentalmente como explicaria minha profissão ao meu filho, então com 12 anos, e me atrapalhei toda, estourando o tempo de três minutos.
Quando fui para o INSPER, em São Paulo, cursar Relações Governamentais, logo percebi que meus colegas de classe tinham essa mesma dificuldade. Aqueles que trabalhavam exclusivamente na área relatavam o preconceito enfrentado quando tentavam explicar a profissão, dentro e fora da empresa. E esta dificuldade se acentuava quando, em algum momento, tentavam resumir a atividade ao nome lobby. Pronto! As reações, diziam, geralmente eram as mesmas: ou torciam o nariz, ou perguntavam como conseguiam trabalhar em Brasília, ou simplesmente os olhavam com aquele tom recriminador, como se todo lobista fosse um corruptor.
Este foi um dos principais motivos para que nossa turma de 2013 se mobilizasse para criar o IRELGOV – Instituto de Relações Governamentais, com o objetivo de atuar em reputação e educação, divulgando e valorizando a profissão por meio do diálogo, e promovendo o intercâmbio e o aprendizado de técnicas, estratégias e fundamentos . Os princípios do Instituto são a legitimidade, a legalidade, a transparência e as boas práticas. Sim, porque a profissão, mesmo que ainda não regulamentada no Brasil, é legítima, permitida em lei, obedece as legislações locais e internacionais, além de seguir os critérios rigorosos de compliance das empresas, atuando sempre com transparência.
Nós, profissionais de relações governamentais, somos parte necessária e legítima do processo democrático brasileiro, somos interlocutores nos debates de políticas públicas, essenciais na formação de decisões, tanto no setor privado como no público, pois parte de nossa função é disseminar informações, análises, resultados de estudos, tudo para contribuir para que a sociedade e a empresa que representamos tenham seus objetivos e necessidades alcançados. O IRELGOV tem o compromisso de trabalhar com a reputação deste profissional, de estimulá-lo em sua liberdade de expressão, atuação e associação como a lei prevê e sempre que possível e necessário permitir que toda a sociedade e quaisquer interessados tenham acesso às informações sobre como e com quem trabalhamos, prezando pela transparência nessas relações, comportamento ético, profissional, responsável, eficaz e, principalmente, que tenha sempre incluído em seus objetivos, mais que alcançar resultados pessoais, deixar um legado positivo para a nossa sociedade, que ainda está aprendendo a lidar com o exercício pleno da democracia.
Em meio a tudo isso, o país tem sofrido transformações muito importantes recentemente. Casos de corrupção estão sendo investigados, a lei tem sido cumprida (nem sempre com a extensão e severidade que gostaríamos, mas já é um começo), as penas alcançam políticos, empresários, lobistas, entre outros. Se antes vivíamos a certeza da impunidade, felizmente hoje já não se pode apostar nisso. Sinal de que estamos amadurecendo, de que a sociedade começa a perceber que tem o direito de cobrar de seus governantes, eleitos democraticamente, uma postura ética, responsável e de compromisso com o eleitor que o elegeu. A sociedade está farta de tanta corrupção em todas as esferas e percebe que é a maior prejudicada com este tipo de prática.
O IRELGOV nasce em meio a este momento histórico no país. E isto é muito bom! Com o advento das manifestações, organizadas por cidadãos insatisfeitos com o fraco rigor da lei, dos jovens se envolvendo e se interessando mais por política, da sociedade exigindo melhores práticas, tudo isso contribui para o amadurecimento de todos e, consequentemente, com o aprimoramento das relações entre os setores público e privado. Temos hoje, inclusive, lei de acesso à informação e mais recentemente uma lei anticorrupção, de 2014, e este ano regulamentada às pressas pela Presidente Dilma Roussef, após as manifestações do já histórico dia 15 de março. Pode não ser a melhor regulamentação nem a que almejávamos, mas ainda assim temos finalmente uma lei que estabelece limites e penas para aqueles que não a cumprirem.
Tudo isso converge para um caminho inevitável: o de trabalhar com ética e transparência em todos os setores, principalmente com o Governo. E isso principalmente porque ele faz parte de nosso dia-a-dia, como empresa, como pessoa física, como administrador público, ONG, movimentos sociais, etc. Quanto maior a interferência do Estado, maior a necessidade de interlocução. Daí a necessidade primordial e estratégica do profissional de relações governamentais para melhor defender os interesses das empresas para as quais prestam serviços, para promover melhores políticas públicas, para informar dados aos parlamentares para que estes tenham melhores subsídios e argumentos para votarem e aprovarem projetos de lei, pois, no final de tudo isso, os impactos de um serviço bem executado repercutirá e trará resultados positivos para todos. A sociedade toda ganha, avança, se moderniza, inova, atrai investimentos, capacita melhor seus profissionais, gera riqueza, promove educação , melhor acesso à saúde e melhor qualidade de vida.
O Brasil está no caminho certo. É necessário agora andar mais rápido, recuperar o tempo perdido, investir em estratégias mais inovadoras e eficientes, trabalhar cada vez mais em parceria com a indústria privada para alcançar resultados maiores, melhores e com menor custo. Não se deve imaginar que a defesa de interesses sempre envolve práticas de corrupção ou de má conduta. A defesa de interesses é inerente ao ser humano! Praticamos lobby quase que diariamente e em diversas situações, sempre que precisamos ou queremos defender algum ponto de vista, com nossos pais, filhos, colegas de trabalho, amigos. ONGs fazem lobby para defender o meio-ambiente, enquanto pacientes por mais acesso a tratamentos não disponíveis no país, e assim por diante. E nada de mal há nisso; pelo contrário! A diversidade de opiniões e de pontos de vista enriquecem os debates, dão margem para novas ideias, fornecem novas soluções.
As nações democráticas mais avançadas têm inclusive o lobby como profissão regulamentada, o que ainda não acontece no Brasil. Mas isso, por enquanto, é menos importante. Precisamos antes entender do que trata a profissão, educar nossa sociedade sobre o real papel deste profissional, trabalhar e valorizar sua reputação da melhor forma possível, defender a legítima busca de interesses de classes, empresariais, pessoais. É muito importante também fomentar cursos, promover seminários, workshops, debates, para que o máximo de pessoas possam participar, entender e desmistificar de uma vez por todas o lado pejorativo que o termo lobby tem carregado nos últimos tempos, muitas vezes, sem merecer.
É totalmente possível e existem relacionamentos entre empresas e Governo de forma ética, responsável, transparente e com foco no bem comum. Existem sim parcerias público-privadas que funcionam, proporcionam melhor qualidade de vida para todos, beneficiam toda a população ou boa parte dela. Há infelizmente práticas que não aprovamos, mas temos certeza que isso tende a diminuir e, quem sabe, um dia acabar.
Precisamos avançar, sem dúvida, mas tenho certeza que muito em breve, cumprindo nosso trabalho como temos cumprido nos últimos anos e tendo ainda o IRELGOV para nos suportar, conseguiremos com toda facilidade e em menos de três minutos, explicar claramente o que fazemos para nossos filhos, colegas, mídia, vizinhos, e para quem mais se interessar por esta profissão que, apesar de ainda mal vista, contribui tanto para o progresso pessoal, social, empresarial e do país.
Sobre a autora:
Kelly Aguilar é presidente do IRELGOV, Gerente de Assuntos Corporativos da MSD no Brasil. Tradutora e advogada, com especialização em Propriedade Intelectual e Direito Processual Civil, Kelly trabalha em relações governamentais há mais de dez anos.