Quando pensei em escrever esse artigo, já tinha visto inúmeras situações de organizações que espetacularizavam a inclusão e a transformavam em conteúdo de publicidade.
São empresas que promovem desfile de PCD Intelectual (Síndrome de Down e autista) – em prol da inclusão, mas os colocam numa passarela onde os associados ficam embaixo batendo palmas (assim como um zoológico). São empresas que contratam também PCD Intelectual e o colocam para limpar prateleiras ou ficar no almoxarifado. Quem disse que um PCD Intelectual não tem capacidade de aprendizagem? São empresas que colocam vaga para PCD com o salário três vezes menor que o salário de uma pessoa “normal”. São empresas que argumentam ser inclusivas porque possuem 60% do quadro funcional de mulheres negras, mas todas estão em cargos operacionais (faxina). Não há nenhuma em algum cargo de supervisão ou gerência. São empresas que contratam indígenas e os colocam na portaria para servir de “empregado decorativo”. E são também empresas que contratam PCD (cadeirantes) e os colocam numa área distante dos escritórios porque não querem investir em acessibilidade (custo x benefício).
Por causa de episódios como estes, rotineiros em empresas no Brasil, que usam a lei, mas não incluem realmente, me lembrei da autora Susan Sontag, em seu atualíssimo livro “Diante da dor dos outros”, onde ela fala do espetáculo como uma forma de acariciar as mentes dos ricos e da sociedade instruída:
“Dizer que a realidade se transforma num espetáculo é um provincianismo assombroso. Universaliza o modo de ver habitual de uma pequena população instruída que vive na parte rica do mundo, onde as notícias precisam ser transformadas em entretenimento – esse estilo maduro de ver as coisas, que constitui uma aquisição suprema do “moderno” e um pré-requisito para desmantelar as formas tradicionais de política fundada em partidos, que propiciam a discórdia e o debate genuínos. Mas é absurdo que todos sejam espectadores. De modo impertinente e sem seriedade, sugere que não existe sofrimento verdadeiro no mundo.
Mas é absurdo identificar o mundo a essas regiões de países abastados onde as pessoas gozam o dúbio privilégio de ser espectadores ou furtar-se a ser espectadores da dor de um outro povo, assim como é absurdo fazer generalizações acerca da capacidade de se mostrar sensível aos sofrimentos de outros com base na atitude desses consumidores de notícias, que não conhecem, na própria pele, nada a respeito de guerra, de injustiça em massa e de terror.”
(Sontag,1933. Pág. 92)
E é sobre sentir na própria pele.
O fato de não sentirmos na própria pele o capacitismo, o racismo, o sexismo, a homofobia e muito mais faz com que ajamos de forma inerte à importância da inclusão social em nosso país.
O tema da inclusão social no Brasil, além de muito novo, é também muito controverso.
Nossas legislações vigentes – Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), a Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, que dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências e Lei de Cotas nº 8.213/91, que em seu artigo 93 estabelece os percentuais de contratação de pessoas com deficiência tendo em conta o quadro total de empregados contratados nas organizações com 100 ou mais empregados: 100-200 = 2%, 201-500 = 3%, 501-1000 = 4% e 1001 em diante = 5%, – são jovens e frágeis, além de não conseguirem, efetivamente, evitar que a inclusão seja apenas uma estatística para fins de cumprimento da lei.
O que se pretende pontuar sobre fragilidade é que há vários indícios de que as organizações contratam pessoas com deficiência ou pessoas negras – que é o caso das leis acima citadas, pois as demais demandas de inclusão social sequer possuem uma lei – para simplesmente constar em estatística, mas não se tem evidências de que os indivíduos contratados serão efetivamente incluídos no plano de carreira e desenvolvimento dessas mesmas organizações.
O que se propõe é a mudança de mentalidade sobre o papel da empresa e de sua forma de operar na sociedade – ou seja, que incluir é muito mais do que contratar.
Incluir é treinar, ter áreas de locomoção acessíveis, ter comunicação acessível, equipamentos que permitam pleno desenvolvimento do indivíduo em sua atividade e plano de carreira real para dar oportunidade de acesso a outros cargos de maior complexidade e liderança.
Conforme cita Ricardo Sales, “a inclusão é o esforço deliberado para inserção econômica, política e social de pessoas que estejam ausentes dos espaços de oportunidade, prestígio e tomada de decisão na sociedade’’. (Sales, 2022)
Vale voltar aqui nas perguntas que norteiam as causas da diversidade e inclusão.
– O que são minorias?
– O que são minorias sub-representadas?
– Até onde a organização privada atende à função social?
– Onde o Estado falhou e não consegue fiscalizar?
– A quem interessa as causas da diversidade e inclusão?
Para responder a essas perguntas precisamos inicialmente conceituar diversidade.
Diversidade é um conjunto de características que torna os indivíduos únicos, mas também diversos. Isso significa que a diversidade pode ser relacional, que é pensar que em relação ao outro eu sou diverso, diferente, e também pode ser contextual. Dependendo do grupo em que estamos inseridos, somos percebidos como diferentes em proporção maior ou menor. (Sales, 2022) Isso significa que da mesma forma que somos diferentes como indivíduos, podemos ser semelhantes como grupo, sem perder as diferenças.
A partir dos anos 80, no Brasil, passou-se a tratar do tema diversidade e inclusão nas organizações como uma possível ferramenta estratégica, onde as preocupações com representatividade de grupos em posições de comando e a diversidade como espaço de incremento de resultados, criatividade, inovação e melhoria organizacional despontou.
Uma pesquisa da Harvard Business Review revelou que nas empresas onde o ambiente de diversidade é reconhecido, os funcionários estão 17% mais engajados e dispostos a irem além das suas responsabilidades. Além disso, foi identificado também que a existência de conflitos chega a ser 50% menor que nas outras organizações. Mas na prática a inclusão de grupos minorizados continua atendendo ao marketing e ao cumprimento de legislações.
Mesmo sabendo que o desrespeito às diferenças pode ser reprimido nas sociedades modernas pela força de leis, a inclusão continua sendo uma atividade cotidiana que luta contra preconceitos socialmente estruturais, que a existência de leis, por si só, não garante a eliminação do preconceito e da discriminação.
Logo, para que a inclusão na sociedade (trabalho, escola, lazer) ocorra de forma efetiva é necessário instituir práticas e políticas públicas que eduquem a sociedade em todos os âmbitos contra os preconceitos de raça, gênero, pessoas com deficiência, cultura, religião e outros.
E a quem importa o lobby da inclusão?
Talvez para o Estado e para as organizações pouca diferença faz pensar em minorias sub-representadas, mas se olharmos para o capitalismo do shareholder e compreendermos como ele vem definhando poderemos entender que a solução está sim na evolução do formato econômico, onde todos estão incluídos e a existência do capitalismo seria pautada não apenas no lucro do acionista, mas também na eliminação da fome, da extrema pobreza mundial e da inclusão, onde todos teriam acesso ao trabalho, saúde e moradia. Surgiria então um novo capitalismo, o capitalismo do stakeholder.