Por Creomar de Souza Fundador da Dharma Political Risk and Strategy
A atividade de relações governamentais é sumamente desafiadora. Para além da necessidade de construir um nível de interlocução da organização que se defende junto a esferas diversas do Poder Público, faz-se necessária também a construção de um processo de imersão de aprendizagem dos atores internos sobre os riscos e as ameaças que um ambiente político conturbado tem sobre o faturamento e a reputação de qualquer empresa e negócio.
Como um primeiro passo, é importante tentar mentalizar o princípio de que elementos inerentes à atividade de defesa de interesse legítimo passam pela construção de um olhar assertivo sobre riscos e ameaças. A partir daí, surge no horizonte a necessidade de falar um pouco mais sobre análise de risco político.
Concretamente, o diálogo sobre risco político parte de uma premissa de base: a ideia de que determinadas ações ou escolhas da organização da qual fazemos parte podem gerar dano reputacional ou regulatório para esta. Obviamente, há de se reconhecer que existe uma série de outras matizes e elementos que se colocam no rol de elementos que caracterizariam o conceito. Especificamente, na literatura, passando de Nassim Nicholas Taleb à Condoleezza Rice, são diversificados os textos e as abordagens sobre esse tema. Efetivamente, portanto, ao buscarmos antecipar qualquer risco, suas consequências e os elementos daí derivados, basicamente estamos trabalhando com duas questões: metodologia e metrificação.
Em termos metodológicos, a construção de marcadores que facilitem a identificação e a construção de evidências fortemente estruturadas é fundamental para o trabalho de análise de risco político. Por consequência, a internalização destas premissas só é plena à medida que se construam parâmetros transparentes para identificação de ameaças aos objetivos da empresa. Especificamente, para a atividade de relações governamentais em um país como o Brasil, onde as regras do jogo se transformam com muita frequência e as instituições são constantemente constrangidas por arroubos de toda ordem. No ambiente político brasileiro, a construção desses parâmetros é ainda mais importante e crítica.
Retomando um elemento esboçado no início desta reflexão, surge também a necessidade de entender a lógica de risco político não apenas como derivada de uma externalidade. Faz-se sumamente importante pensá-la como uma derivação endógena de tempos complexos, em que a forma como cada ator dentro da tomada de decisão da organização fala pela organização de acordo com a conveniência dos críticos e concorrentes. Este entendimento é importante sobretudo pelo fato de que, ao pensarmos no exercício de identificação de ameaças, estamos tratando daquilo que está fora do radar de uma atividade cotidiana.
Peguemos, como exemplo, o processo eleitoral em curso no Brasil. De maneira fundamental, os gestores de relações governamentais em período eleitoral estão premidos pela força das circunstâncias. De um lado, há uma série de atores políticos que podem efetivamente criar ameaças ou problemas reputacionais para sua organização. Aqui é importante lembrar que o Brasil é um país com alto nível de ingerência estatal na atividade econômica, o que faz com que, direta ou indiretamente, os governos de ocasião representem interesses de um sócio por vezes temperamental.
Soma-se à essa pressão externa a necessidade de que se construam salvaguardas e processos internos que antecipem e mitiguem danos e riscos reputacionais. O problema, entretanto, está no fato de que, por vezes, os atores da própria organização não são partícipes desse processo. Este fato nos remete, novamente, à necessidade de um trabalho de imersão de aprendizagem – ou talvez, em outras palavras, de uma evangelização – dos stakeholders sobre a importância de compreender os desafios e dinâmicas recorrentes de variáveis de risco político. Se aquilo sobre o que se tem percepção é uma ameaça, o número de variáveis que está fora do nosso radar constitui-se em outra tarefa espinhosa.
Lidar com o imponderável, com algo que não pode ser antecipado com uma apreciação anterior dos fatos, portanto, acaba sendo uma tarefa ingrata. É impossível que consigamos antecipar tudo. Este fato reforça a necessidade de retomada do diálogo acerca de metodologia e metrificação. Afinal, se a metodologia permite construir as perguntas necessárias para entender os tipos de ameaças que se colocam e para diminuir o nível de variáveis de controle que se referem às ameaças, a transformação dessas inferências em métricas de fácil quantificação e tradução para atores pouco afeitos aos dilemas deste campo de conhecimento é uma condição sine qua non para que os eventuais percalços representados por essas variáveis sejam minimamente controlados.