Gestão de Crise e Relações Governamentais
Por Mariana Lessa de Almeida La Poente*
O cenário de pandemia atualmente vivenciado no Brasil e no mundo trouxe à luz a essencialidade da atividade de gerenciamento de crise. Por sua vez, este contexto destaca as atividades do profissional de relações governamentais, uma vez que este tem como uma de suas principais tarefas a facilitação do intercâmbio de informações entre sociedades empresariais, entidades da sociedade civil e as três esferas do governo para entregar o melhor para a sociedade. Em uma situação em que diariamente são editados leis e decretos sobre temas imprescindíveis às corporações, como a abertura ou o fechamento de estabelecimentos e a obrigatoriedade de adoção de jornadas de trabalho em horários alternativos, o profissional de relações governamentais tem papel de protagonista.
A despeito da relevância da atividade de gerenciamento de crise, as empresas brasileiras não se mostraram preparadas para gerir crises de maneira profissional. Em recente pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) constatou-se que quase metade das sociedades ouvidas (48,5 %) não possui políticas e procedimentos formais de gerenciamento de crise e 28% delas admitiram que jamais falaram em gerenciamento de crise em reuniões do Conselho de Administração.
Esta pesquisa identificou também as três principais preocupações endereçadas pelos Conselhos de Administração às Diretorias Executivas, a saber: a avaliação de possíveis impactos econômicos financeiros da pandemia nos negócios, a avaliação das medidas relacionadas à saúde de colaboradores terceiros e fornecedores e a criação de plano de comunicação específico e efetivo sobre a crise da COVID-19.
Medidas adotadas para o gerenciamento da crise da COVID-19
Buscando auxiliar e orientar a atuação do profissional de relações governamentais neste momento de emergência sanitária, algumas medidas de gerenciamento de crise podem ser destacadas, tais como a necessidade de atuação com foco na saúde e segurança de colaboradores e a importância da agilidade na compilação e repasse de informações de forma a possibilitar e embasar a tomada rápida de decisões pelos gestores responsáveis.
Outra medida relevante é a mobilização de grandes empresas para apoiar a cadeia produtiva e os parceiros, de forma a mitigar os efeitos da pandemia em pequenos e médios negócios.
Há que se destacar também a articulação de sociedades empresariais e associações de classe para, através da interlocução das associações, facilitar a apresentação de demandas específicas aos governos das três esferas, com dados e fatos aptos a interferir na tomada de decisões. Esta estratégia de apresentação de demandas via associações de classe pode ser positiva, na medida em que facilita as respostas dos governos por centralizar a comunicação e potencializar a atuação setorial.
Interessante frisar, ainda, que as sociedades empresariais, associações de classe e porta-vozes das demais entidades da sociedade civil também se organizaram para – neste momento de grande dificuldade – ajudar a sociedade brasileira através de ações de filantropia de magnitudes inéditas.
No que se refere à uma das principais preocupações dos Conselhos de Administração, a comunicação eficiente, notou-se que a existência de um plano específico para a situação da pandemia e a atuação proativa de repassar informações às autoridades locais, colaboradores, parceiros e até às comunidades pode ser considerada como um acerto. Afinal, em um cenário de extrema preocupação com a saúde, conhecer as medidas de segurança sanitárias e trabalhistas de forma prévia e completa reduz a ansiedade dos envolvidos e reforça a credibilidade da atuação da corporação.
A pandemia modificou a forma de atuação do profissional de relações governamentais de grandes empresas, fazendo surgir a necessidade de atuação na orientação e suporte de times locais. Isto porque a impossibilidade de viagens e as demandas múltiplas e simultâneas em diversos municípios e estados fez com que times locais fossem encarados, ao menos temporariamente, como os mais capazes para lidar de forma próxima com as autoridades locais. Com isso, a atividade de relações governamentais teve muitas vezes que ser exercida por meio do fornecimento de subsídios técnicos e fáticos às equipes locais, as quais vem interagindo de forma direta com interlocutores dos municípios e estados.
A crise sanitária provocada pela pandemia da COVID-19 em alguns segmentos também levou à colaboração entre sociedades empresariais concorrentes, quer para compartilhamento de meios tecnológicos que pudessem auxiliar os governos na pandemia, quer para organizar as já mencionadas ações filantrópicas em prol da coletividade.
Por fim, viu-se uma acentuada aceleração na utilização de tecnologias para que as empresas pudessem se adaptar à nova realidade. Em tempo recorde foram adotadas medidas que possibilitaram o trabalho remoto e a realização de reuniões, aulas e palestras virtuais. Todas as empresas buscaram se reinventar neste momento, até por uma questão de sobrevivência, e questões relacionadas à logística e à tecnologia ganharam centralidade.
No setor público também se verificou este cenário. Empresas estatais viabilizaram suas operações por meio de trabalho remoto e houve acentuada aceleração do movimento de digitalização dos serviços públicos, sendo certo que cerca de 55% dos serviços públicos prestados na esfera federal já se encontram digitalizados, facilitando o acesso à população e gerando grande economia para os cofres públicos.
O futuro das relações governamentais após a crise sanitária
Ao debater o futuro do mundo e do Brasil após a pandemia em curso, verifica-se que não há no horizonte próximo sequer a possibilidade de retorno à normalidade tal como a conhecíamos antes desta crise. Os países europeus, que já viram passar o pico da curva de contaminação do novo coronavírus estão em transição para retorno das atividades econômicas e sociais e têm feito este movimento de forma lenta e gradual.
Todos os analistas têm convergido no sentido de que aqueles que não se enquadrarem no grupo de risco ou já tiverem desenvolvido anticorpos contra a doença retornarão gradualmente aos seus postos de trabalho, mas este trabalho já não será o mesmo de antes da pandemia.
O novo cenário de normalidade deverá incluir medidas de prevenção reforçadas, estabelecimento de nova etiqueta corporativa e hibridização do trabalho presencial e remoto. Além disso, a dimensão global da crise sanitária que se vive já vem trazendo à tona a necessidade de um novo olhar sobre a gestão de riscos, com a inclusão de riscos anteriormente pouco destacados, como aqueles relacionados ao meio ambiente.
Ainda não há um caminho claro para o mundo pós-pandemia, mas já se acredita que ela deixará como legado discussões sobre os padrões de consumo com possível valorização da economia circular, do consumo consciente e de produtos locais.
A transformação digital que foi implementada à força e em tempo recorde pelo contexto da crise sanitária trará novos desafios ao profissional de relações governamentais. Após meses de sessões virtuais no Supremo Tribunal Federal e no Congresso Nacional, como assegurar que a sociedade continue tendo condições de participar e interferir no cenário político?
Não existem respostas prontas, mas a aposta do setor é de que a atuação do profissional de relações governamentais se dará de forma híbrida, com alocação mais inteligente do tempo, mas sem dispensar a presença física para articulação política no Congresso Nacional.
Outro questionamento que se coloca diz respeito às dificuldades de formalização de posições da advocacy em tempos de encontros e contatos remotos. Nesta seara, o caminho poderia ser através da transparência de encontros e posições através de redes sociais e da formalização de posições sobre pontos relevantes nos aplicativos de mensagens e nos chats das ferramentas de comunicação.
No que se refere ao fortalecimento do movimento de filantropia das empresas, não há como negar que estas passaram a assumir um novo papel como cidadãos corporativos e há a possibilidade de manutenção do apoio a causas que não estejam exclusivamente ligadas à sua área de atuação.
Outro ponto é a possibilidade do aprofundamento de uma visão de responsabilidade social da empresa que não se vincula apenas a decisões da alta direção, mas que esteja associada à criação de engajamento dos empregados. A partir desta ideia, se buscaria a participação efetiva dos colaboradores nos projetos sociais da sociedade, de forma a conectar as ações com os propósitos tanto da organização, quanto de seus colaboradores.
Acredita-se, ainda, que o caminho da digitalização dos serviços públicos é uma via sem retorno, mas que o novo desafio será criar serviços que já surjam digitais e utilizem inteligência artificial para melhor atender às necessidades da população.
Por fim, é importante para a coletividade que o retorno às atividades cotidianas já esteja sendo planejado pelas empresas, para que a sociedade assimile que isso se dará de forma controlada, voltada à proteção dos indivíduos e com respeito às particularidades de cada grupo de colaboradores.
* Mariana Lessa de Almeida La Poente é Mestre em Direito Público pela UERJ, Doutoranda em Administração na Universidade de Bordeaux, França, e Professora Convidada de Compliance e Governança Corporativa na FGV
O artigo assinado por Mariana, trata do EPISÓDIO 2 da série de webinares semanais COVID-19: Os impactos nas Relações Governamentais, no qual participaram como palestrantes a Gerente Executiva de Assuntos Públicos da Nestlé no Brasil, HELGA FRANCO, a Diretora de Vocalização e Influência no IBGC, VALÉRIA CAFÉ, e o Diretor de Relações Governamentais e Assuntos Regulatórios da IBM América Latina, FABIO RUA, que atuou como mediador.
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