Por Elisa de Araújo, gerente de Relações Governamentais da Coca-Cola
Elisa de Araújo, gerente de Relações Governamentais da Coca-Cola e líder do GT ESG e Relações Governamentais do IRELGOV
Os processos decisórios que envolvem a Política, com P maiúsculo, de alguma forma sempre despertaram o interesse do cidadão comum. Em maior ou menor intensidade, de maneira mais ou menos organizada, as pessoas desejam compreender como seu destino é determinado pelos chamados “políticos”. Em democracias jovens como a brasileira, entender e aprimorar procedimentos e caminhos que resultam em políticas nos remete diretamente à atividade de Relações Institucionais e Governamentais.
Em um número visivelmente crescente, especialmente após a mudança de paradigma na interação entre empresas e governantes com o fim do financiamento privado de campanhas eleitorais, o setor privado passa a se reconhecer cada vez mais como um protagonista político. Se, em um primeiro momento, realizar relações governamentais estava estritamente vinculado a influenciar regulamentações que impactavam diretamente os negócios, a complexidade da sociedade e da própria esfera pública leva as corporações a se perceberem como partes envolvidas na resolução de questões ambientais, nas interações sociais e na própria governança entre todos esses atores disputando recursos e coexistindo no mundo.
Dessa forma, chegamos à estruturação da Agenda ESG – sigla em inglês para Environmental, Social and Governance (Ambiental, Social e Governança). Essa crescente consciência sobre o papel de responsabilidade social e de impacto das companhias leva à elaboração de uma agenda que implique, de forma sistematizada, em compromissos empresariais. Surgindo oficialmente em 2004, a partir de um esforço da Organização das Nações Unidas (ONU) em colaboração com grandes instituições financeiras, a Agenda ESG foi concebida para definir critérios de impacto ambiental, social e de governança que deveriam ser incorporados às decisões de investimento – com o objetivo de assegurar a sustentabilidade dos negócios.
A definição dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) em 2015, quando foram estabelecidas as 17 metas globais para a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, conferiu ainda mais relevância e peso ao que as organizações adotam como Agenda ESG – visando promover crescimento econômico, inclusão social e proteção ambiental.
Com a intensificação da emergência climática, discutir uma nova economia se torna também imprescindível. No Brasil, observamos que a temática de uma economia mais ambiental e socialmente responsável está presente de forma transversal em ministérios responsáveis pela política econômica, pelo desenvolvimento industrial, pelo comércio, pelos serviços e pelos micro e pequenos empreendimentos, bem como pelo meio ambiente.
Nesse cenário, trazer a discussão da agenda ESG também para o âmbito das relações institucionais e governamentais atende à vocação primordial da área: posicionar as empresas como agentes políticos da sociedade em que estão inseridas, desempenhando um papel fundamental na formulação de soluções robustas para desafios complexos.
O setor privado é gerador de riquezas para a coletividade, além de ser um propulsor de inovação. Para os empreendimentos, reinventar-se e buscar eficiência no uso dos recursos disponíveis, visando melhores resultados, é a essência da gestão.
Os principais debates governamentais da atualidade compreendem como é benéfica a interação democrática e republicana entre os setores público e privado. Quanto mais madura e bem estruturada for essa relação entre os diversos atores, mais eficazes serão as políticas públicas decorrentes desse processo.
Experiências nacionais, como o Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável (CDESS), conhecido como Conselhão, órgão consultivo do Governo Federal com a finalidade de assessorar o Presidente da República na formulação de políticas estratégicas por meio do diálogo entre governo, sociedade civil e setores produtivos demonstram a evolução não só das Relações Governamentais, mas também, de forma especial, do papel das empresas como agentes políticos.
A estruturação de outras iniciativas políticas atuais também se destaca: a criação de um Fórum Nacional de Economia Circular, reunindo diversos segmentos da sociedade para elaborar um Plano Nacional de Economia Circular, promovendo um sistema econômico baseado no reaproveitamento de produtos e na recuperação de recursos naturais; a instituição de um Grupo de Trabalho entre Ministérios e Empresas com o intuito de desenvolver uma Política Nacional de Direitos Humanos e Empresas (PNDHE); e a abertura de consulta pública pelo Ministério da Fazenda junto às corporações para definir uma Taxonomia Sustentável Brasileira, um sistema de classificação que determina quais atividades econômicas são consideradas sustentáveis no país, alinhando investimentos às metas ambientais, sociais e de governança.
Ao longo do ano de 2024, o Grupo de Trabalho de ESG e Relações Governamentais se dedicou ao aprofundamento de debates sobre todas essas temáticas, além de fomentar a interação entre o IRELGOV e os membros do governo que formulam políticas voltadas à agenda da sustentabilidade.
Todas essas iniciativas demonstram um fato incontestável: nós, profissionais das relações institucionais e governamentais, desempenhamos um papel essencial como tradutores e interlocutores entre o universo político e o mundo empresarial, com foco na inevitável agenda do desenvolvimento sustentável.
Inclusão e sustentabilidade dependem de diálogo entre setores
O Grupo de Trabalho sobre ESG e Relações Governamentais realizou, no dia 4 de outubro de 2023, sua primeira reunião, que teve como foco principal discutir a importância do ESG (sigla em inglês para ambiental, social e governança) no contexto das relações governamentais e empresariais.
O encontro contou com a presença de representantes do setor público e privado, incluindo Paulo Pereira, secretário executivo do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, conhecido como Conselhão, que destacou a necessidade de um novo modelo de capitalismo que envolva a participação de diversos setores da sociedade na formulação de políticas públicas, promovendo um ambiente mais inclusivo e sustentável. A estrutura do Conselhão foi apresentada como um espaço fundamental para o diálogo entre empresas, governo e sociedade civil, especialmente no avanço de pautas ESG. “O Conselhão acaba funcionando como um laboratório da inclusão”, disse.
O secretário enfatizou que o Brasil enfrenta desafios estruturais significativos, como desigualdade social, problemas ambientais e dificuldades na implementação de políticas públicas eficazes. A participação ativa da sociedade e do setor empresarial é essencial para construir soluções inovadoras. Um exemplo prático foi a recente aprovação do projeto de regulação do mercado de carbono, que teve contribuições diretas do Conselhão. Além disso, foram discutidos temas como inclusão de diversidade racial e de gênero, digitalização, transição energética e recuperação de terras degradadas. A abordagem do Conselhão permite que diferentes setores contribuam para políticas mais equilibradas e sustentáveis.
“O Conselhão acaba funcionando como um laboratório da inclusão”
Paulo Pereira
Secretário Executivo do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, conhecido como Conselhão
Por fim, a reunião abordou o papel das relações governamentais na construção de um ambiente favorável ao desenvolvimento sustentável e à governança eficiente. Profissionais da área destacaram a necessidade de um diálogo contínuo e estruturado com o governo para garantir que as políticas ESG sejam incorporadas de forma permanente e não dependam de mudanças de governo. O secretário reforçou que a cultura da participação social precisa ser fortalecida, pois apenas a institucionalização não garante a continuidade dessas iniciativas. A reunião terminou com um convite à colaboração entre governo, empresas e sociedade para transformar o Brasil em um líder global na transição verde e no desenvolvimento sustentável.
Por um futuro circular e sustentável
A reunião do dia 7 de dezembro de 2023 teve como tema central a construção de legislações e tratados internacionais sobre economia circular do plástico e combate à poluição causada por esse material. Especialistas e representantes do setor público e privado discutiram o impacto da economia linear na sustentabilidade e a necessidade de uma transição para um modelo circular. Principal convidado do encontro, o diretor de Políticas para a América Latina na Ellen MacArthur Foundation, Pedro Prata, afirmou: “No Brasil a gente precisa ter uma compreensão mais madura do que é economia circular. Os princípios fundamentais são eliminar a contaminação por resíduos, circular materiais e produtos e regenerar a natureza”.
“No Brasil a gente precisa ter uma compreensão mais madura do que é economia circular”
Pedro Prata
Diretor de Políticas para a América Latina na Ellen MacArthur Foundation
Foi destacado como o Brasil ainda carece de políticas públicas robustas para enfrentar o problema da poluição plástica, apesar de avanços significativos em áreas como energia renovável e desmatamento. O debate trouxe exemplos internacionais, como o Chile, que já implementou medidas concretas para reduzir a poluição plástica, contrastando com o cenário brasileiro.
Outro ponto abordado foi a necessidade de empresas repensarem seus produtos e embalagens desde a concepção para reduzir resíduos e aumentar a reutilização.
A Coca-Cola foi citada como exemplo, com sua iniciativa de reutilização de garrafas PET, reduzindo a necessidade de novas embalagens. Também foi discutida a importância de políticas públicas que incentivem a economia circular, como diferenciação tributária para empresas que adotam práticas sustentáveis. Além disso, foi ressaltado o papel do governo brasileiro nas negociações do tratado global de plásticos e o desafio de equilibrar as responsabilidades entre países ricos e em desenvolvimento.
Taxonomia como critério de seleção de projetos
No dia 16 de outubro de 2024, a reunião teve como tema central a Taxonomia Sustentável Brasileira, com a participação de Matias Rebello Cardomingo, coordenador-geral de Análise de Impacto Social e Ambiental do Ministério da Fazenda. O objetivo foi discutir a classificação de atividades econômicas sustentáveis no Brasil, alinhadas a critérios ambientais e sociais, e seu impacto no setor produtivo e nas políticas públicas.
Cardomingo explicou que a taxonomia visa criar um sistema de classificação unificado para atividades sustentáveis, facilitando o direcionamento de investimentos, incentivos fiscais e financiamentos governamentais. “A taxonomia se propõe a ser uma pactuação de critérios para a classificação de atividades, setores ou projetos como sustentáveis. Ou seja, é um caminho para fazer a triagem de projetos”, explicou.
A ferramenta busca combater o greenwashing (práticas enganosas de sustentabilidade) e garantir que projetos sustentáveis recebam recursos adequados. Ele destacou que a taxonomia servirá de referência para políticas como o Fundo Clima, Ecoinvest e linhas de crédito do BNDES, além de auxiliar na captação de investimentos internacionais.
Outro ponto importante foi a relação da taxonomia com a agenda climática e social do Brasil, incluindo compromissos internacionais como os ODS da ONU e os planos de descarbonização.
“A taxonomia se propõe a ser uma pactuação de critérios para a classificação de atividades, setores ou projetos como sustentáveis”
Matias Rebello Cardomingo
Coordenador-geral de Análise de Impacto Social e Ambiental do Ministério da Fazenda
Matias reforçou que a taxonomia não estabelece metas obrigatórias, mas fornece critérios claros para o setor privado demonstrar seu alinhamento com práticas sustentáveis. A previsão é que a primeira versão dos critérios passe por consulta pública até março de 2025, garantindo participação da sociedade civil e do setor empresarial.
Expediente #05 – Dezembro – 2024
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Jornalista Responsável Luiza Paula Sampaio (MTb 17.043)
Colaboraram nesta edição Fernando de Moraes Iolanda Vieira
Suporte Márcia Rosa e Débora Santos
Conselho Diretor: Patricia Nepomuceno – Presidente Juliana Marra – Vice-Presidente Lara Gurgel – Diretora Executiva Felipe Carvalho – Conselho de Planejamento Estratégico Pablo Cesário – Conselho de Conteúdos Mariana Guimarães – Conselho Jurídico Thomaz D’addio – Conselho de Comunicação Júlia Vianna – Conselho de Parcerias Verônica Hoe Lopes – Conselho de Responsabilidade Social Carlos Lima – Conselho de Assuntos Estratégicos Ariela Zanetta – Conselho de Carreiras Helga Franco – Conselho Fiscal Paulo Homem – Conselho Fiscal Roberta Rios – Conselho Fiscal Marcelo Almeida – Conselho Consultivo Leonardo Barreto – Conselho Consultivo Felipe Daud – Conselho Consultivo Carlos Petiz – Conselho Consultivo Mariana Chaimovich – Conselho Consultivo Luciano Gollner – Diretor regional do IRELGOV no Espírito Santo Gustavo Bernard – Diretor regional do IRELGOV em Minas Gerais Rafael Maia – Diretor Regional do IRELGOV no Estado do Rio de Janeiro
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