O Brasil possui atualmente mais de 40 milhões de empreendedores ativos, donos de novos empreendimentos em seus primeiros meses de criação ou de negócios considerados estabelecidos, com mais de três anos de vida. Segundo estimativas do Global Entrepreneurship Monitor (GEM) de 2022, mais de 10 milhões de pessoas envolvidas diretamente com a criação ou a manutenção de um negócio teriam encerrado seus projetos de 2019 a 2022 no país. A coincidência aparente com a crise provocada pela pandemia do coronavírus e a redução da demanda por bens e serviços, como consequência de medidas de controle da circulação, é óbvia e é o primeiro argumento que vem à cabeça quando pensamos no que poderia ter feito o país perder dezenas de milhões de empreendimentos em tão pouco tempo. Porém, atribuir o fechamento de dezenas de milhões de negócios à crise não parece totalmente correto.
Podemos especular, por exemplo, que muitos dos donos de micro e pequenos estabelecimentos comerciais que fecharam as portas nesse período simplesmente já encerrariam suas atividades por motivos que vão desde lucratividade baixa à falta de financiamento adequado. Assim, a significativa redução de indicadores, como o Índice de Confiança do Consumidor, por exemplo, e as consequências para o consumo das famílias brasileiras no período, embora graves, teriam sido apenas alguns dos fatores macroeconômicos responsáveis por levar empreendedores brasileiros a fechar suas empresas. Nesse caso, cabe refletir se a gravidade da crise não os fez simplesmente antecipar uma decisão que já haviam tomado previamente. O que parece mais provável é que a estrutura socioeconômica brasileira de certa forma obstrui o caminho que precisa ser percorrido para a construção de uma empresa de sucesso no país e é, pelo menos em parte, responsável por esse resultado.
Nossa atenção pode ser voltada para o ambiente de negócios brasileiro como um todo e para os instrumentos à disposição do Estado, criados para fomentar a atividade econômica, gerar renda e emprego de maneira permanente e um ambiente no qual os empresários e investidores do país consigam empreender com solidez e previsibilidade. Mas essa base para uma estrutura econômica mais robusta e sólida depende de aspectos legais, tributários, físicos e financeiros, e da evolução permanente de programas governamentais e políticas públicas direcionadas.
Nesse sentido, o Brasil passou por políticas que deram certo e outras que não tiveram tanta consistência. No âmbito das políticas públicas recentes que mais ajudaram o ambiente de negócios nacional está a Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas (Lei Complementar nº. 123/2006).
As novidades trazidas pela Lei Geral passam pela criação do Simples Nacional e pela figura do Microempreendedor Individual, conhecido como MEI. O primeiro simplificou o processo de cálculo e arrecadação de impostos. Uma mudança aparentemente simples desobstruiu um pouco a burocracia governamental para o empresário, fazendo-o perder menos tempo com o pagamento dos impostos. Já o MEI trouxe para a formalidade muitos daqueles empreendedores que atuavam sem qualquer tipo de registro e que eram desassistidos de apoio previdenciário. Essas inovações, pequenas tendo em vista as necessidades brasileiras, certamente contribuíram para estimular novos negócios e aprimorar o ecossistema de trabalho das micro e pequenas empresas no país. Esse deve ser o espírito das novas legislações. Leis que busquem resolver entraves verdadeiros, trazendo um resultado real no dia a dia do empresário.
Ainda de acordo com o relatório Global Entrepreneurship Monitor, desde a aprovação da Lei Geral, em 2006, a taxa de empreendedorismo no Brasil, calculada como proporção da população entre 18 e 64 anos, passou de 23,4% para 30,3% em 2022, com crescimento anual interrompido apenas em três momentos: de 2010 para 2011, quando caiu de 32,3% para 26,9%, em virtude do encerramento das políticas anticíclicas do Governo Lula pós-crise de 2008; entre 2015 e 2016, com a redução de 39,9% para 36,0%, quando o país passou por uma séria instabilidade política com o impeachment da presidente Dilma Rousseff; e entre 2019 e 2020, caindo de 38,7% para 31,6%, em virtude da crise do
coronavírus.
Porém, a bem-vinda modernização da legislação brasileira depende de vigilância constante. Nesse sentido, a liderança no debate de instituições que representam os direitos dos empresários e das empresas é imperativa no processo de criação de novas leis e na tradução das políticas criadas para a realidade, sobretudo em nível municipal, em que as políticas precisam fazer sentido. O Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) é uma dessas instituições que, imbuídas do espírito da legislação de 2006, criaram mecanismos para acelerar a desburocratização das políticas em nível municipal diretamente com os atores políticos das cidades.
Para os consultores, os maiores desafios estavam vinculados ao rompimento de uma cultura administrativa municipal que se apegou, ao longo dos anos, a práticas arcaicas de manutenção do poder. Alguns atores políticos, muito agarrados aos antigos processos, viam nas mudanças uma infundada redução de seu status dentro do município.
Porém, o longo prazo do processo de mudança e as constantes reuniões do Comitê Gestor, com suas proposições e formas de interpretar e repassar o sentimento do empresariado, tornaram-se nossa principal estratégia para incutir no núcleo administrativo municipal aquilo que a Lei Geral havia determinado.
Segundo dados do Relatório Análise do Caged 2022, elaborado pelo próprio Sebrae, as micro e pequenas empresas brasileiras foram responsáveis por 78,4% das contratações realizadas no país ao longo do último ano. Tal força de geração de empregos e renda precisa ser vista com prioridade pelos municípios.
No meu caso, o Comitê Gestor com o qual atuei durante nove meses, entre 2015 e 2016, deu origem à Lei Municipal nº. 2.884, aprovada em 28 de dezembro de 2017, na cidade de Duque de Caxias (RJ). Sua posterior regulamentação por meio de decretos municipais ajudou a colocar em prática algumas inovações. Porém, como mencionei anteriormente, o processo de modernização do ambiente de negócios brasileiro depende de constante vigilância. Nesse sentido, as novas legislações, principalmente a Reforma Tributária e a Lei de Liberdade Econômica, aprovadas recentemente, precisam ser acompanhadas de perto, interpretadas e colocadas em prática. A capilaridade de instituições como o Sebrae é bem-vinda para apontar a direção correta a ser seguida pelos municípios no sentido de fazer valer o espírito das políticas aprovadas. A criação de um ecossistema empresarial fomentador de riqueza e renda não depende apenas da aprovação de leis mais modernas a nível nacional, e sim da disseminação correta das novas normas onde as transformações precisam acontecer, realmente, nos municípios.